14.9.07

As grandes esperanças do pequeno italiano

Cris Sinatura
Em meio à neve e ao céu cinzento da Rússia, um casal italiano visita um orfanato a fim de adotar uma criança. Vanya (Kolya Spiridonov) tira sorte grande e é imediatamente contemplado pela afeição de seus futuros pais, causando alvoroço e mesmo inveja entre os outros órfãos.

Entretanto, durante os dias que levam os trâmites da adoção, uma mãe desesperada aparece no orfanato à procura do filho que ela abandonara anos antes e que agora havia sido adotado por outra família. Acuado pela idéia de que o mesmo desencontro lhe aconteça caso sua mãe biológica um dia decida procurá-lo, Vanya decide abrir mão do conforto da vida na Itália e sai em busca de sua mãe verdadeira.

A despeito da ingenuidade dos seus seis anos, Vanya empreende-se na aventura e planeja sua fuga do orfanato. Aprende a ler com a ajuda da adolescente Irka (Olga Shuvalova) e, a partir daí, descobre informações sobre seu próprio passado nos arquivos confidenciais da diretoria. Assim, com dinheiro roubado por Irka, toma sozinho um trem e se mete em diversas ciladas, descobrindo que o mundo pode ser ruim - como quando apanha de pivetes - e bom ao mesmo tempo - ao receber ajuda de transeuntes para encontrar o endereço que procura.

"O pequeno italiano" é a versão russa da história-clichê sobre as aventuras da criança órfã em busca de seus pais, já enfadonhamente abordada em filmes, livros e novelas. Entretanto, o diretor Andrei Kravchuk, novato em longas-metragens, consegue explorar o drama sob uma ótica diferente, desenhando o retrato da Rússia atual. Kravchuk deixa claro que sua intenção é necessariamente apontar as desgraças de seu país, baseando-se em fatos reais tirados de uma notícia de jornal.

O filme, apesar do enredo sem grande criatividade, consegue surpreender em sua cena final, que, em detrimento da previsibilidade, apresenta-se de maneira um tanto misteriosa. As rédeas são entregues à imaginação do espectador. Além disso, o longa traz uma carga de emoção e sentimentalismo que torna quase que plenamente perdoáveis esses deslizes quanto à originalidade. Não vai ser difícil ver pessoas saindo da sessão com os olhos vermelhos.

Destaca-se também a atuação cativante e carismática de Kolya Spiridonov, que encarna as dores do órfão de seis anos de maneira extremamente convincente e destoante da postura que crianças de filmes hollywoodianos costumam adotar em suas atuações. O resto do elenco também constitui-se positivamente de atores não-profissionais, o que, junto com a utilização de cenários reais em alguma parte não especificada da Rússia, confere naturalidade à trama e seu drama.

Talvez por isso "O pequeno italiano" tenha angariado diversos prêmios, entre eles o de Melhor Filme no Festival de Berlim de 2005, além de representar a Rússia na tentativa de conseguir uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006.

"O pequeno italiano" é de uma beleza indiscutível. Não necessariamente pelo roteiro, mas sim por mostrar nas entrelinhas do drama do pequeno Vanya que a esperança deve permanecer constantemente viva e que a acomodação às situações inconvenientes deve ser sempre refutada.


O Pequeno Italiano (Italianetz)
Rússia, 2005
Direção: Andrei Kravchuk Elenco: Kolya Spiridonov, Denis Moiseenko, Sasha Sirotkin, Olga Shuvalova
Duração: 99 min

6.9.07

Só aparências

Bruno Benevides

Quando escrevi sobre “O Ex-namorado da Minha Mulher”, há alguns meses, disse que comédias românticas costumam seguir uma fórmula. Isso faz com que elas geralmente resultem em filmes repetitivos e pouco interessantes, como era o caso daquela obra. Assim foi com algum descrédito que assisti a “Eu os declaro marido e... Larry!”, e no fim acabei me surpreendendo com o bom resultado da projeção.

A história gira em torno da dupla de bombeiros e amigos Chuck Levine (Adam Sandler) e Larry Valentine (Kevin James). O primeiro faz o tipo mulherengo, pulando de mulher em mulher, enquanto o segundo é um pai preocupado com seus dois filhos e que ainda não se recuperou da morte da mulher. Em decorrência de problemas burocráticos, Larry descobre que os filhos não são beneficiários em seu seguro de vida. Para resolver o problema ele propõe a Chuck, a quem acabara de salvar a vida, que os dois façam um casamento de fachada. Assim este herdaria o seguro e poderia tomar conta dos filhos caso algo acontecesse ao amigo.

Os problemas começam quando a seguradora passa a desconfiar do casal e coloca atrás da dupla o investigador Clinton Fitzer (Steve Buscemi). Assim os amigos recorrem a advogada Alex McDonough (Jessica Biel), que acaba conquistando o coração de Chuck, que entretanto é obrigado a fingir que é gay. Para piorar o casal acaba ganhando notoriedade e o caso vira um símbolo na luta pelo direito dos homossexuais.

A história, assim, não chega a mudar o mundo, mas serve como ponto de partida para as ótimas piadas dos protagonistas. Adam Sandler mantém seu estilo desencanado, fazendo com que seu Chuck seja ao mesmo tempo irreverente e confiável. Já Kevin James dá mais um passo para se tornar um grande nome da comédia com seu Larry, que hora serve como escada hora faz suas próprias tiradas. É na relação dos dois, garantida com uma ótima química, que o filme anda.

O elenco de apoio ainda conta com ótimos nomes da comédia, como o já mencionado Steve Buscemi, o veterano Dan Aykroyd, ótimo como sempre no papel do chefe dos bombeiros, e até uma hilária ponta de Rob Schneider. Mas o destaque maior fica por conta do grandalhão Ving Rhames, que faz o furioso bombeiro Fred Duncan. Acostumados a papéis mais sérios, o ator rouba a cena principalmente na metade final do filme. Já Jéssica Biel justifica sua escalação na cena em que aparece de calcinha e sutiã.

Liderando toda a turma está o diretor Dennis Dugan, que já havia trabalhado com Sandler por três vezes (inclusive no melhor filme deste, “Embriagado de Amor”), assim como boa parte da equipe técnica. O resultado de tudo isso é que “Eu os declaro marido e... Larry!” é uma comedia romântica em que o romance não é o mais importante. Ele funciona como desenvolvimento da comédia, essa sim o essencial do filme. Em outras palavras, um filme para rir.



Eu os declaro marido e... Larry! (I Now Pronounce You Chuck & Larry)
EUA, 2007
Direção: Dennis Dugan Elenco: Adam Sandler, Kevin James, Jessica Biel, Ving Rhames, Dan Aykroyd e Steve Buscemi Duração: 115 min.

Debut pretencioso

Rafael Benaque
Alguns filmes (pouquíssimos, na verdade) são tão bons que fica fácil escrever sobre eles, já que possuem tantos pontos a serem destacados. Outros (esses, por sua vez, muitos) são tão ruins que merecem ser espinafrados, o que facilita a nossa vida. Mas o primeiro longa da diretora Laïla Marrakchi, “Marock”, não se encaixa em nenhuma dessas categorias.

O filme, que tem a pretensão de ser um retrato da juventude marroquina, mostra o final do ano de formatura de Rita (a bela Morjana Alaoui), uma jovem muçulmana, e seus amigos. Porém, a diretora e roteirista erra a mão nesse “retrato” em diversos pontos. Primeiro, ela se utiliza de um grupo da elite marroquina, o que, por ser uma minoria, já fura a pretensão de Laïla. Outro problema é que os temas são muito batidos: álcool, drogas, relacionamentos proibidos entre Rita e um rapaz judeu.

Por conta disso tudo e pelo fato de ser narrado da forma mais tradicional e previsível possível, o filme se torna superficial e chato. Todos os estereótipos dos jovens estão presentes nele, do drogado problemático à menina estudiosa que não tem dinheiro para ir estudar na França (veja o quão elitista é o grupo selecionado: é uma minoria que não tem uma situação financeira privilegiada), passando pela garota que deixa de estudar para casar. Outro problema do filme é a deficiência técnica do elenco. Não bastando as personagens serem estereotipadas, as interpretações são as mais óbvias possíveis.

"Marock" é um filme que não comunica nada, não acrescenta nada e não tem nada de especial. Nada que o torne diferente de outros dramas adolescentes que já estamos cansados de assistir. E, por isso tudo, não tenho mais nada a dizer sobre ele.

Marock
Marrocos/França, 2005
Direção: Laïla Marrakchi Elenco: Morjana Alaoui, Matthieu Boujenah, Assaad Bouab.
Duração: 100 min.

31.8.07

Sorria, você está sendo observado

Tatiane Ribeiro

Cansado daquele seu vizinho pentelho que fica vigiando sua vida 24h por dia? De saco cheio daquela velha que sabe que horas você chega e com quem? Não fique bravo(a) com eles, você nunca sabe se o outro vizinho, aquele meio estranho que mora a frente, pode ser um serial killer. E mais. Talvez só esses vizinhos curiosos poderão te dizer! Acha que eu estou exagerando? Ou que isso é coisa de cinema? Tá, tudo bem. É mesmo coisa de cinema. E de cinema à la “sessão da tarde”!

“Paranóia” é um filme assim, feito para já se saber o final. Conta a história de um adolescente que tem um surto na escola (alguma semelhança com a realidade escolar dos norte-americanos?) após a morte do pai e bate no professor. Condenado a 90 dias de prisão domiciliar, com direito a chip preso em tornozeleira, ele passa seus dias entre internet, vídeo-game e vigiar a vida dos moradores de sua rua.

Como não podia faltar, ele conhece a nova vizinha, Ashley (Sarah Roemer, de “O Grito 2”), e descobre que ela também adora saber da vida da vizinhança. Tudo muito bonito, tudo muito pacato (e chato), até que Kale (Shia LaBeouf, de “Transformers”) começa a desconfiar que um de seus vizinhos é um assassino em série fugitivo de Las Vegas. Mas quem acreditaria em um adolescentezinho rebelde e suas teorias malucas? Só mesmo seu parzinho romântico e seu amigo Ronnie (Aaron Yoo).

O filme, assim, se passa sem muitas surpresas e sem dar brechas à imaginação do espectador, que já sabe desde o início o fim da trama. A trilha sonora também não ajuda muito, não sai do básico, do esperado.


Inesperada é a atuação de Carrie-Anne Moss (da trilogia “Matrix”), que faz a mãe de Kale, Julie. Mesmo diante de uma personagem fraca e mãezinha boba, ela faz cenas emocionantes dentro do contexto (lembre-se: ainda é um “sessão da tarde”).

E falando em atuação, parece mesmo que LaBeouf está com tudo em cima. É a mais nova aposta de Spielberg, e parece ser o nome da vez em Hollywood. Mas com suas atuações fraquinhas, nunca se sabe até quando ele estará no topo.

“Paranóia” não chega nem perto de ser um grande filme. Nunca será lembrado pela posteridade por autenticidade (já que é muito semelhante a “Janela Indiscreta”) e nem pela trama forte. Mesmo assim, dentro do contexto atual (nenhum grande filme, com exceção de “Os Simpsons”), é um blockbuster que vale a pena.

Paranóia (Disturbia)
EUA, 2007
Direção: D. J. Caruso
Elenco: Shia LaBeouf, Carrie-Anne Moss, David Morse, Sarah Roemer e Aaron Yoo
Duração: 105 min.

30.8.07

Uma Prova de Fogo

Saulo Yassuda
Jane Fonda tentou boicotar o relacionamento entre Jennifer Lopez e Michael Vartan em “A Sogra”. Meryl Streep quase pôs fim ao namoro entre Uma Thurman e Bryan Greenberg em “Terapia do Amor”. Agora, em “Licença para Casar”, de Ken Kwapis (“Quatro Amigas e um Jeans Viajante”), é a vez de Robin Williams (dessa vez como reverendo) atrapalhar o casal formado por Mandy Moore e John Krasinski.

Ben (Krasinski) e Sadie (Moore) formam um casal de noivos que não vê a hora de se casar. Ele é um rapaz fofo que adora paparicar a namorada, e ela, uma garota (também fofa) que tem um grande sonho: casar na igreja. Mas não é tão simples assim. Quer se casar em uma determinada igreja: a St. Augustine. E com um determinado pastor: o Reverendo Frank (Williams). Para isso, então, Sadie e Ben terão um longo caminho pela frente.

É que o reverendo só aceita casar os dois se eles fizerem seu famoso – e peculiar – curso preparatório para noivos, em que o casal passa por situações das mais bizarras e constrangedoras como, por exemplo, cuidar de dois bebês-robô histéricos que fazem muitas orgias escatológicas, seguindo os métodos pirados de Frank.

O religioso faz questão de atordoar a vida do casal, proibindo o sexo entre eles, perseguindo-os secretamente em lugares públicos e até colocando escutas nos locais mais inusitados onde o estejam.

Depois de tanto desgaste e confusão causados pelo curso, Sadie e Ben entram em crise: Devem ou não continuar o relacionamento? (Pergunta que só será respondida, surpreendentemente ou não, na cena final do filme).

Fazer personagens malucos, como esse pastor que coloca escutas, é uma constante na carreira do talentoso Robin Williams, que está sub-aproveitado neste filme. Apesar do ator ter carisma próprio, sua personagem – que tem papel de importância no longa – não é bem desenvolvida e, em algumas passagens, chega ao cúmulo das situações de ridículo e da inverossimilhança . Se fosse bem desenvolvido, ótimas piadas poderiam sair do papel. A maior graça do filme está apenas nos créditos finais, em que são mostradas trapalhadas dos atores durante os bastidores das gravações.

Boas piadas é o que falta no roteiro de “Licença para casar”. A maioria da “diversão” pretende ser encontrada na escatologia ou nas tiradas de mau gosto, que reforçam preconceitos e estereótipos – como os relacionados a indianos e pessoas obesas. Eles demonstram um politicamente incorreto velado, que não chega a ser cômico, como em filmes mais “explícitos” (como “American Pie” e o mais recente “Borat”, por exemplo).


Uma série de situações inverossímeis e personagens mal trabalhados se arrasta até o final do longa, que não sabe bem o que quer: se tende mais para o romântico ou o cômico, se escracha de vez ou se fica tímido, ou mesmo se quer um equilíbrio disso tudo.

Em “Licença para casar”, a prova de fogo não é só aquela por que o casal passa, mas também a que passa o espectador, que pode se sentir aborrecido no meio do filme. Um filme talvez para aquelas tardes sem nada – nada mesmo – para fazer. Mas só.

Licença para Casar (Licence to Wed)
EUA, 2007
Direção: Ken Kwapis
Elenco: Robin Willims, Mandy Moore, John Krasinski
Duração: 100min

27.8.07

Inimigo interno

Bruno Benevides

Filmes de agentes secretos têm muitas diferenças, do sotaque ao drink preferido, mas em geral guardam uma característica comum, a missão dos protagonistas. Estes sempre são responsáveis por salvar o seu mundo, sendo assim, reflexos de sua civilização. A cinessérie do ex-agente secreto americano Jason Bourne mexeu com isso. Ele não está nem um pouco interessado em livrar o mundo de algum vilão megalomaníaco. Muito menos se importa em servir a rainha ou em salvar a pátria. Quer é descobrir quem o transformou em um assassino.

Este “Ultimato Bourne” completa muito bem a trilogia iniciada com “Identidade Bourne” e depois continuada com “Supremacia Bourne”. Nela, acompanhamos a busca do agente Jason Bourne para descobrir quem ele era antes de ter sua memória apagada. A cada uma das três partes o personagem e a série foram crescendo e amadurecendo, num resultado incomum para um filme desse gênero, já que no fim a ação não é o mais importante.

O elenco, que já era bom, recebeu boas adições. Os novos rostos têm como principal destaque David Strathairn no papel do chefão da CIA Noah Vosen, responsável pela caça do ex-agente e que parece recém saído do governo Bush, e Albert Finney surge como o Dr. Albert Hirsch. Matt Damon mantém seu Jason Bourne como alguém comum e não um super agente. Joan Allen volta como Pam Landy, diretora da CIA que nutre certa simpatia pelo espião. De ruim mesmo só o maior destaque dado a Nicky Parsons. Não que a personagem seja ruim, pelo contrário. O problema é que ela é interpretada por Julia Stiles. Aí não tem jeito.

O diretor Paul Greengrass traça um paralelo entre o filme e a realidade. O perigo de um governo sem fiscalização e o excesso das equipes de segurança surgem como problemas incomodamente reais nos dias de hoje. Duas cenas trazem ainda menções a episódios reais. A captura de um desconhecido em um ônibus londrino no começo do filme remete a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes. E a cena da transformação de Jason Bourne traz uma imagem similar às fotos de torturas praticadas pelos soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib.

Tecnicamente perfeito, o diretor ainda acerta ao construir a narrativa do filme como uma grande perseguição. Bourne está sempre em movimento, está sempre atrás de alguém ao mesmo tempo que alguém está atrás dele. No único momento que pára, o filme acaba. Os cortes rápidos e a breve duração da projeção ressaltam essa idéia de correria.

Por fim o resultado de tudo isso é que “Ultimato Bourne” agrada não apenas fãs de ação. Mais do que um filme desse gênero, a projeção é um filme político. A luta de Bourne não é pela pátria, é interna. Primeiro porque ele enfrenta o establishment, se confronta com sua civilização. Seus adversários são seus conterrâneos. Depois porque o agente se vê obrigado a questionar suas próprias escolhas do passado, descobrindo que ele também é responsável pelo que faz. O grande adversário, assim, é ele e a civilização em que vive. Sem dúvida esse é um filme que merece ser visto.



O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum)
EUA, 2007
Direção: Paul Greengrass Elenco: Matt Damon, Julia Stiles, David Strathairn , Joan Allen, Edgar Ramirez, Albert Finney. Duração: 111 min.

Mentiras nem tão inofensivas

Cris Sinatura

O diretor dinamarquês Lars von Trier, que já tem cadeira cativa nos festivais de Cannes, vem ganhando destaque cada vez maior no cinema mundial desde a estréia de “Dogville” (2003), primeiro filme de uma trilogia sobre a vida norte-americana, da qual fazem parte também “Manderlay” (2005) e “Washington” (sem previsão de estréia).

Von Trier surpreendeu pelo modo inusitado e inovador de direção, pela simplicidade dos cenários, que consistem basicamente em marcações no chão, pelo ritmo de seus roteiros, cheios de diálogos e narração, e pela veracidade na atuação de seu elenco. Porém, em “O grande chefe”, o diretor decide deixar de lado o drama e o cenário americano para retomar o gênero da comédia em terras dinamarquesas.

Ravn (Peter Gantzler) é o dono de uma empresa de informática e pretende vendê-la para uma companhia islandesa. Porém, ele nunca se apresentou para seus sócios como o chefe; ao invés disso, inventou o “grande chefe”, um nome sem presença física dentro da empresa que pudesse arcar com a impopularidade de suas decisões.

Entretanto, o dono da empresa islandesa exige fazer as negociações diretamente com o “grande chefe” e Ravn se vê, então, obrigado a contratar um ator para dar vida à sua mentira. É assim que Kristoffer (Jens Albinus) entra em cena, como um chefe desajeitado, tímido e patético, sem nenhum conhecimento de informática ou de administração. A partir daí, constrói-se uma história bastante criativa e inteligente, que faz uma sátira sobre o mundo empresarial e suas relações de exploração.

Lars von Trier surpreende em “O grande chefe” por não se restringir ao posto de roteirista e diretor; ele também narra a história, aparecendo no filme de forma disfarçada, através de reflexos em espelhos. Além disso, como diretor, não se satisfaz com enquadramentos convencionais; a seleção dos melhores ângulos e dos melhores movimentos das câmeras foi feita por computadores, numa técnica chamada “Automavision”, o que dá um aspecto bastante natural e real à fotografia do longa.

“O grande chefe” é uma comédia diferente dos moldes hollywoodianos. O espectador não sairá do cinema com a barriga doendo de tanto rir, considerando que o humor dinamarquês é um tanto monótono, mas que, nem por isso, deixa de entreter.

Aliás, entreter é justamente a intenção de von Trier, que deixa claro, no início do filme, que aquela é uma comédia inofensiva, não merecedora de momentos de reflexão. “O grande chefe” é sua tentativa de se desfazer do aspecto politizado de sua outras produções.

Contudo, fica difícil não se permitirem alguns momentos de reflexão ao fim do longa, uma vez que ele nos remete, talvez não propositadamente, às mazelas do nosso mundo. Retrata a ganância e prepotência humana e evidencia como somos todos “grandes chefes” na arte de mentir.


O Grande Chefe (The boss of it all)
Dinamarca, 2006
Direção: Lars von Trier Elenco: Jens Ibinus, Peter Gantzler, Mia Lyhne, Iben Hjejle. Duração: 99 min