Motocicleta Sonora
Tatiane Klein
Quem se deixar enganar pela referência do título Os 12 Trabalhos aos famosos doze trabalhos de Hércules e, acreditando que se trata de mais uma historinha à la Globo Filmes desprezar o filme, perderá uma das mais originais, inteligentes e belas produções do recente cinema brasileiro. Mesmo sendo uma verdadeira releitura do mito grego, o filme de Ricardo Elias ganha força justamente quando ultrapassa as fronteiras da narrativa que o inspira, sem, contudo, ignorá-la.
O corpo do filme se constrói de maneira a explicitar e reiterar não o mito e suas estruturas “históricas”, mas a possibilidade e necessidade de narrar, de tecer uma história. Não há deuses, titãs, oráculos, ou qualquer resquício de um universo maravilhoso; o diálogo com o Hércules grego é um pouco mais refinado. É em torno da tradição da narrativa mítica (como modo de contar e não um texto “fechado”) que vão ser exploradas a identidade do protagonista Héracles e as implicações de sua condição socioeconômica, sempre relacionadas ao espírito metropolitano de São Paulo.
Quem se deixar enganar pela referência do título Os 12 Trabalhos aos famosos doze trabalhos de Hércules e, acreditando que se trata de mais uma historinha à la Globo Filmes desprezar o filme, perderá uma das mais originais, inteligentes e belas produções do recente cinema brasileiro. Mesmo sendo uma verdadeira releitura do mito grego, o filme de Ricardo Elias ganha força justamente quando ultrapassa as fronteiras da narrativa que o inspira, sem, contudo, ignorá-la.
O corpo do filme se constrói de maneira a explicitar e reiterar não o mito e suas estruturas “históricas”, mas a possibilidade e necessidade de narrar, de tecer uma história. Não há deuses, titãs, oráculos, ou qualquer resquício de um universo maravilhoso; o diálogo com o Hércules grego é um pouco mais refinado. É em torno da tradição da narrativa mítica (como modo de contar e não um texto “fechado”) que vão ser exploradas a identidade do protagonista Héracles e as implicações de sua condição socioeconômica, sempre relacionadas ao espírito metropolitano de São Paulo.
Héracles, interpretado por Sidney Santiago (prêmio de Melhor Ator no Festival do Rio de 2006), é ao mesmo tempo personagem e narrador de seu drama, preso a uma condição que não o define nem como soberano, nem como escravo de sua história. O semideus, aqui, é o garoto que não aceita o carimbo generalizante de “motoboy” e também se confunde com Genison, Cláudio, Anderson e até Márcia, todos os anônimos heróis das ruas de São Paulo.
Pra quem procura as entrelinhas da abordagem dada por Elias às relações entre periferia e centro, à problemática do trabalho informal nas grandes cidades e ao tema do jovem que busca a aceitação social depois de um período na Febem, fica mais que a impressão de um filme determinista sobre a miséria urbana brasileira. Em verdade, conhece-se que a realidade é que impressiona e condiciona a identidade do herói, mas também que ela é mediada e construída pelo próprio herói/narrador.
As ruas tomadas por carros e costuradas por motos, ao som da brilhante trilha de André Abujamra, revelam o olhar instantâneo do boy sobre a cidade e seus personagens, o que mistura a narrativa linear dos trabalhos, que Héracles vai realizando para a Olimpo Express (entregadora em que seu primo Jonas trabalha), à voz semidivina que se permite descrever e prescrever a história das pessoas que encontra durante o dia.
O garoto, que tem como hobby o desenho, também desenha sua história, contrapondo e comparando (indiretamente) biografias à sua. Enquanto assiste ao livre movimento da cidade, é enredado pela ordem dos faróis e das marginais, e o trânsito torna-se tanto algoz quanto patrono. Por fim, sobram imagens em que a câmera fica marejada tal qual os olhos do Heracles, violentado e acolhido pelo tal trânsito, no melhor formato urbano pro espírito da tragédia grega.
Lavrado pela ordem dos doze trabalhos, mas sem conhecer que neles reside sua redenção, Héracles é mais um jovem que caminha sem perspectivas e que, por conta desse niilismo implícito e verdadeiro, quase sai da tela e vira transeunte da Avenida Paulista. Esta aí um conto da contemporaneidade banhado em realismo: marcado pela moto que cai, pela fratura exposta na perna e pelas idéias daquele que passa veloz e vê o mundo. Ainda que poucas vezes visto por este; daquele faz entregas e se entrega.
Os 12 Trabalhos
Brasil, 2007. Direção: Ricardo Elias Elenco: Sidney Santiago, Flávio Bauraqui, Vera Mancini e Vanessa Giácomo. Duração: 90 min.
Os 12 Trabalhos
Brasil, 2007. Direção: Ricardo Elias Elenco: Sidney Santiago, Flávio Bauraqui, Vera Mancini e Vanessa Giácomo. Duração: 90 min.