26.12.06

100 RPM

Carlos Giffoni

Chev Chelios (Jason Statham) é um assassino profissional em processo de aposentadoria, seu último trabalho estava feito, só que ele não contava com as exageradas conseqüências que este serviço lhe trouxe, após lidar perigosamente com a máfia chinesa.

A manhã do primeiro dia livre daquela sub-realidade não começou bem...Na verdade, desde
aquela manhã Chelios não foi o mesmo: um de seus inimigos havia injetado em suas veias, enquanto ele dormia, o letal Coquetel de Beijing, veneno chinês que inibe a produção de adrenalina e, entre outros efeitos, diminui os batimentos cardíacos até a morte. O prazo de vida do matador de aluguel é curto, e para sobreviver até a volta do excêntrico médico responsável pelos seus cuidados, Chev deve manter sua adrenalina a mil – não que isso seja um desafio. Ainda bem, pois são nesses momentos que o humor, as vezes negro, do filme se pronuncia.

A história reúne perigosas gangues envolvidas com o tráfico, sexo na praça pública, veneno e antídotos, loiras burras – Chev tem uma namorada, Eve, por quem, aliás, decidiu largar o crime, carros em alta velocidade e muita ação, do começo ao fim. Para o matador, desafiar um grupo de negros armados apontando armas para a sua cabeça não é grande coisa, em troca do paradeiro de quem o sentenciou de morte. Invadir um shopping com um carro desgovernado, muito menos. Os fins justificam os meios: sua finalidade era a vida, os meios, quaisquer que mantivessem seu corpo em atividade frenética.

Claro, há um hispânico liderando uma das gangues, Carlito, e um velho chinês chamado Dom Kim, que foi o catalisador dos desastres na vida de Chev, mas que também pode ser a solução para todos os seus problemas. Para completar, a mocinha que é apaixonada pelo bandido e uma quantidade infinita de espécies de armas são os ingredientes para esta apenas digerível ação.

Um ponto interessante no filme é a maneira como as cenas são cortadas e exibidas. Numa mesma tela você pode ter a visão de vários ângulos, ou de diferentes cenários, dependendo de onde estão os enunciadores. Acompanhar os passos dos personagens parece bem divertido quando visto desta maneira.

Efeito sonoro é o que não falta neste filme de Mark Neveldine e Brian Taylor. As fugas e perseguições demasiado surreais são alimentadas também por uma gama de recursos um pouco estilísticos, típicos das produções que sempre terminam sendo exibidas em “Tela Quente”, com um protagonista brutamontes que concilia força em um corpinho de lutador, sadismo, libido e perícia japonesa somada à habilidade chinesa, constituindo uma grande ação oriental nos moldes mais ocidentais possíveis. Não é uma grande produção, nem tem pretensões de ser, pelo menos não deveria. No mínimo, vai elevar significativamente sua adrenalina por uma hora e meia.

Adrenalina (Crank)
EUA, 2006
Direção: Mark Neveldine e Brian Taylor Elenco: Jason Statham, Amy Smart, Jose Pablo Cantillo e Dwight Yoakam. Duração: 90 min.

Ratos, sapos e lesmas cantoras

Rafael Teixeira

Ultimamente tem sido difícil encontrar longas animados que entretenham realmente o espectador. Desenhos como Shrek e Procurando Nemo elevaram o nível desse tipo de produção e agora tem sido cada vez mais complicado alcançar bons padrões de diversão.
Mas Por Água Abaixo parece ser um daqueles que consegue o que muitos não conseguiram (como Madagascar, Espanta Tubarões, Carros, etc.): arrancar risadas!


Roddy é o rato de estimação de uma menininha que mora em um dos bairros mais nobres de Londres. Ele tem de tudo, conforto, paz, comida, mas nenhuma companhia. Até que um rato de esgoto aparece na sua vida, invade sua casa e para se livrar dele, lhe dá uma descarga (isso mesmo, joga o pobre do Roddy na privada e dá descarga!). E neste passeio nada comum, Roddy acaba descobrindo uma civilização subterrânea de ratos nos esgotos da cidade. E aí ele encontra sua nova parceira de aventuras Rita e seu nêmesis, o sapo Toad.


Muitas piadas inteligentes e bem planejadas, personagens carismáticos com as vozes de Hugh Jackman (Roddy), Kate Winslet (Rita) e Sir. Ian McKellen (Toad). Sem falar que é impossível não morrer de dar risada com as lesmas cantoras que aparecem o tempo todo, ao som de músicas conhecidas ou gritando histericamente. Ou seja, perdoado o trocadilho infame, é um desenho cuja diversão não vai por água abaixo.

Por Água Abaixo (Flushed Away)
Reino Unido/ EUA, 2006 Direção: David Bowers, Sam Fell Elenco de vozes: Kate Winslet, Hugh Jackman, Ian McKellen, Andy Serkis, e Jean Reno. Duração: 85 min.

19.12.06

O Anti-007

Rafael Teixeira

Nada de carros com controle remoto, relógios com bombas, ou complexos planos malignos para comandar um satélite que derrete as calotas polares. O novo filme da série do agente secreto 007, criado pelo escritor Ian Fleming, não tem nada dessas coisas mirabolantemente e impossíveis que nos fazem rir em determinadas cenas das aventuras anteriores.
Trama simples, mas com uma grande novidade: um novo ator para o papel de Bond, depois de quatro filmes com Pierce Brosnan como seu protagonista. E quem tem a honra de pronunciar “Bond, James Bond” é o ator inglês Daniel Craig (Munique).

Cassino Royale trata dos primeiros momentos de James Bond como o agente 007 da organização M16. Bond precisa investigar e prender um grande banqueiro de terroristas chamado Lê Chiffre, e para isso precisa participar de uma rodada de pôquer bastante restritaa, com apostas altíssimas, no cassino que dá nome ao filme.

A história não tem nada de mais à primeira vista, mas possui ótimas cenas de ação, perseguição, mortes e lutas, bem mais coreografadas e planejadas do que os filmes anteriores (a primeira cena, com o terrorista que faz acrobacias é de tirar o fôlego).

Mas o que cativa (e que pode contrariar os antigos fãs da série) é a performance de Craig. Ele é o próprio James Bond, mas mais descarado, frio, calculista e engraçado (completamente diferente de Brosnan). Ele é quase um anti-007, e as vezes parece até ser o vilão. Sem falar que Craig está bem mais em forma do que seu antecessor (o que faz questão de mostrar em duas cenas na praia, apenas de sunga).

É inegável que o ator é a carta na manga desse novo filme. E para completar ainda temos as
presenças femininas de Eva Green (Os Sonhadores), que dá um teor mais dramático e charmoso ao filme, e Judi Dench (Shakespeare Apaixonado) como M. mais ácida do que nunca.

Claro que com essa atuação, o personagem de Bond fica em xeque. E muitos se dividirão mais uma vez entre seus atores preferidos. Mas Craig mostra que está conseguindo manter a essência do filme, apesar de vários protestos de fã-clubes, mesmo sendo Cassino Royale o filme da série que mais arrecadou em bilheteria. De alguma forma, portanto, Daniel Craig já ganhou algum reconhecimento, além de poder segurar uma taça de Martini, e apenas pronunciar um nome e sobrenome para melhorar seu currículo exponencialmente.

007: Cassino Royale (Casino Royale – 2006)
EUA/Alemanha/Grã Bretanha/República Tcheca Direção: Martin Campbell
Elenco: Daniel Craig, Eva Green, Judi Dench, Mads Mikkelsen. Duração: 144min




10.12.06

Uma jornada de amor e fé

Luiz Prado

A história é conhecida por muita gente: Maria (Keisha Castle-Hughes), menina pobre da pequena cidade de Nazaré, recebe a visita do anjo Gabriel, que lhe dá a missão de gerar o messias da humanidade, o filho de Deus, que será chamado de Jesus. O carpinteiro José (Oscar Isaac), marido da jovem, concorda em assumir a criança, após lhe ser indicado em sonhos o que deveria fazer.

Enquanto isso Herodes (Ciaran Hinds), rei da Judéia, está preocupado com as profecias acerca do surgimento de um homem pobre nascido em Belém que se tornaria rei. Institui então um senso que obriga todas as famílias a retornarem para suas terras natais. Dessa forma, José e Maria partem para a cidade natal do carpinteiro, Belém, e acabam na famosa manjedoura, junto dos três reis magos e dos pastores.

Jesus - A História do Nascimento faz parte da nova frente da indústria cinematográfica que encontrou na cristandade um espectador ainda pouco explorado pelos grandes estúdios. Porém, ao contrário de produções como A Paixão de Cristo e Crônicas de Nárnia, o filme dirigido por Catherine Hardwicke não parece buscar o grande público e aposta na força do seu roteiro e na fé dos cristãos.

Baseado no Evangelho de São Lucas, A História do Nascimento não apresenta grandes inovações na forma de contar a jornada dos pais de Jesus. Os trechos não existentes na obra do evangelista são comedidos e não entram em conflito com a versão oficial da Igreja sobre o assunto. O único destaque é para a história dos reis magos, que apresenta leve tom humorístico, tornando os personagens mais próximos do espectador.

As locações italianas e marroquinas, que incluem desertos e campos verdejantes, são belíssimas e foram aproveitadas de maneira competente, com boas tomadas de câmera. As reconstituições de Nazaré, Belém e Jerusalém também revelam o empenho da equipe técnica. A trilha sonora, que arrisca em certo momento uma versão de “Noite Feliz” com arranjos modificados, se não inova, cumpre seu papel de forma eficiente.

Porém na atuação da protagonista o filme perde sua força. Keisha não consegue viver o drama emocional de uma garota que carrega dentro de si o salvador da humanidade. Seus gestos são comedidos, suas expressões de medo e dúvida são pouco convincentes e a transformação de seus sentimentos por José, de apatia à gratidão e depois carinho, é feita de modo superficial. Isaac, por outro lado, surge como um José angustiado e ao mesmo tempo determinado. A cada olhar revela seu carinho por Maria e a indubitável certeza de que a união dos dois serve a um propósito maior.

Num balanço rápido, o filme surge como uma grande história bem contada, que poderia ser melhor se houvesse mais de ousadia no roteiro. Contudo, se na poltrona houver um cristão, A História do Nascimento pode se transformar. Na tela teremos um filme emocionante, que vai de encontro aos sentimentos de fraternidade, bondade e compaixão típicos da época do Natal. A coragem de Maria e José e a aceitação dos desígnios do Criador como exemplos de vida. Isso, como dito, se na poltrona houver um cristão.


Jesus – A História do Nascimento (The Nativity Story)
EUA, 2006
Direção: Catherine Hardwicke Elenco: Keisha Castle-Hughes, Shoreh Aghdashloo, Oscar Isaac, Ciaran Hinds Duração: 93 min.


1.12.06

Entre a magia e o medo

Luiz Prado

Estamos em 1944, cinco anos após a Guerra Civil Espanhola. Ofélia (Ivana Baquero) é uma garota de 13 anos que se muda com a mãe grávida, Carmen (Ariadna Gil), para o interior da Espanha. As duas irão morar com Vidal (Sergi López), capitão do exército franquista e novo marido de Carmen. Sua missão é acabar com a resistência republicana que se abriga além dos montes e para isso transformou um velho moinho em centro de operações de sua tropa.

O final da gravidez traz complicações para a mãe de Ofélia, que adoece e fica sob os cuidados do Doutor (Alex Ângulo). Solitária e não simpatizando com o capitão, a garota acaba encontrando um antigo labirinto nos arredores do moinho. Lá reside uma criatura fantástica chamada Fauno (Doug Jones), que revela ser Ofélia a princesa um reino mágico há muito aguardada. Para que ela possa retornar a ele, contudo, deverá realizar três tarefas antes que a lua cheia surja nos céus.

Enquanto Ofélia cumpre as missões determinadas pelo Fauno, a situação na região se agrava. Mercedes (Maribel Verdú), criada de Vidal, auxilia os republicanos com alimentos e remédios dos fascistas, temerosa de que sua traição seja descoberta. Ao mesmo tempo os franquistas estudam os movimentos finais para iniciar a aniquilação da resistência.

Guillermo del Toro oferece ao público um filme vibrante e sentimental. A conjugação de fantasia com fatos históricos cria uma espécie de nostalgia e mistério, remetendo há uma época na qual, por mais que nos dissessem que seres mágicos não existem, poderíamos continuar acreditando que eles estavam lá. López, como o capitão fascista, transpira crueldade e maldade calculada, enquanto Ivana Baquero, no papel da jovem Ofélia, transmite a força da crença na magia e em um outro mundo, mais fantástico e agradável do que aquele em que vivemos.

A equipe técnica do filme merece aplausos de pé. Enquadramentos e iluminação magistralmente registram uma atmosfera misteriosa e obscura. Cenários, figurinos e maquiagem são excepcionais. As criaturas que Ofélia encontra durante sua missão saltam da tela, como se realmente pudessem existir. A casa de Vidal, antiga e imponente, nos leva imediatamente à primeira metade do século XX. Destaque para a cena do Homem Pálido, uma das mais fantásticas e angustiantes do filme.

Uma fábula sobre opressão, resistência e coragem, O Labirinto do Fauno é cinema como há tempos não se vê. Um recordatório tanto do lado negro da humanidade, quanto das mais elevadas virtudes humanas, como o sacrifício e a persistência em lutar pelo que se acredita ser certo.

O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno)
México/Espanha/EUA, 2006 Direção: Guillermo del Toro Elenco: Sergi López, Maribel Verdú, Ivana Baquero, Alex Ângulo e Doug Jones. Duração: 112 minutos.