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Mentiras nem tão inofensivas

Cris Sinatura

O diretor dinamarquês Lars von Trier, que já tem cadeira cativa nos festivais de Cannes, vem ganhando destaque cada vez maior no cinema mundial desde a estréia de “Dogville” (2003), primeiro filme de uma trilogia sobre a vida norte-americana, da qual fazem parte também “Manderlay” (2005) e “Washington” (sem previsão de estréia).

Von Trier surpreendeu pelo modo inusitado e inovador de direção, pela simplicidade dos cenários, que consistem basicamente em marcações no chão, pelo ritmo de seus roteiros, cheios de diálogos e narração, e pela veracidade na atuação de seu elenco. Porém, em “O grande chefe”, o diretor decide deixar de lado o drama e o cenário americano para retomar o gênero da comédia em terras dinamarquesas.

Ravn (Peter Gantzler) é o dono de uma empresa de informática e pretende vendê-la para uma companhia islandesa. Porém, ele nunca se apresentou para seus sócios como o chefe; ao invés disso, inventou o “grande chefe”, um nome sem presença física dentro da empresa que pudesse arcar com a impopularidade de suas decisões.

Entretanto, o dono da empresa islandesa exige fazer as negociações diretamente com o “grande chefe” e Ravn se vê, então, obrigado a contratar um ator para dar vida à sua mentira. É assim que Kristoffer (Jens Albinus) entra em cena, como um chefe desajeitado, tímido e patético, sem nenhum conhecimento de informática ou de administração. A partir daí, constrói-se uma história bastante criativa e inteligente, que faz uma sátira sobre o mundo empresarial e suas relações de exploração.

Lars von Trier surpreende em “O grande chefe” por não se restringir ao posto de roteirista e diretor; ele também narra a história, aparecendo no filme de forma disfarçada, através de reflexos em espelhos. Além disso, como diretor, não se satisfaz com enquadramentos convencionais; a seleção dos melhores ângulos e dos melhores movimentos das câmeras foi feita por computadores, numa técnica chamada “Automavision”, o que dá um aspecto bastante natural e real à fotografia do longa.

“O grande chefe” é uma comédia diferente dos moldes hollywoodianos. O espectador não sairá do cinema com a barriga doendo de tanto rir, considerando que o humor dinamarquês é um tanto monótono, mas que, nem por isso, deixa de entreter.

Aliás, entreter é justamente a intenção de von Trier, que deixa claro, no início do filme, que aquela é uma comédia inofensiva, não merecedora de momentos de reflexão. “O grande chefe” é sua tentativa de se desfazer do aspecto politizado de sua outras produções.

Contudo, fica difícil não se permitirem alguns momentos de reflexão ao fim do longa, uma vez que ele nos remete, talvez não propositadamente, às mazelas do nosso mundo. Retrata a ganância e prepotência humana e evidencia como somos todos “grandes chefes” na arte de mentir.


O Grande Chefe (The boss of it all)
Dinamarca, 2006
Direção: Lars von Trier Elenco: Jens Ibinus, Peter Gantzler, Mia Lyhne, Iben Hjejle. Duração: 99 min