22.2.07

Oscar 2007

Pois é, cinéfilos da nossa querida Sala de Projeção. O Oscar está aí, e no dia 25 saberemos quem serão os honrados com o carequinha dourado.

Provavelmente este será mais um ano de poucas surpresas, e a cerimônia seguirá as tendências de outras premiações precedentes, principalmente as especializadas como o SAG ou Director’s Guild Awards. Mas como o Oscar pode acabar dando as famosas “zebras”, é sempre bom ficar de olho, e para ajudar nós da Sala estamos deixando uma listinha das nossas resenhas sobre os filmes indicados e suas respectivas categorias.

A cerimônia 2007 será apresentada pela comediante Ellen Degeneres.

Babel
Melhor filme
Melhor direção: Alejandro Conzales Inarritu
Melhor atriz coadjuvante: Adriana Barraza e Rinko Kikuchi
Melhor roteiro original
Melhor Montagem
Melhor trilha sonora Original

Pequena Miss Sunshine
Melhor filme
Melhor ator coadjuvante: Alan Arkin
Melhor atriz coadjuvante: Abigail Breslin
Melhor roteiro original


Dreamgirls – Em busca de um sonho
Melhor ator coadjuvante: Eddie Murphy
Melhor atriz coadjuvante: Jennifer Hudson
Direção de arte
Figurino
Melhor canção: Listen, Love you I do e Patience.
Melhor mixagem de som

Cartas de Iwo Jimma
Melhor filme
Melhor direção: Clint Eastwood
Melhor roteiro original
Melhor edição de som

Os Infiltrados
Melhor filme
Melhor direção: Martin Scorsese
Melhor ator coadjuvante: Mark Wahlberg
Melhor roteiro adaptado
Melhor montagem

O Labirinto do Fauno
Melhor filme estrangeiro
Melhor roteiro original
Direção de arte
Fotografia
Maquiagem
Melhor trilha sonora original

Diamante de sangue
Melhor ator: Leonardo DiCaprio
Melhor ator coadjuvante: Djimon Hounsou
Melhor montagem
Melhor edição de som
Melhor mixagem de som

À procura da felicidade
Melhor ator: Will Smith

Pecados íntimos
Melhor ator coadjuvante: Jackie Earle Haley
Melhor atriz: Kate Winslet
Melhor roteiro adaptado

O Grande Truque
Direção de arte
Fotografia

A Conquista da Honra
Melhor edição de som
Melhor mixagem de som

Superman – O Retorno
Efeitos visuais

16.2.07

16/02 - Resenhas Novas

Resenhas Atualizadas:

Crônicas do sol nascente

Carlos Giffoni e Tatiane Klein

Àqueles que entrarem na sala de projeção esperando assistir um “resgate do soldado ryan nipônico”, certamente serão surpreendidos por um filme, no mínimo, peculiar. No mínimo, porque em Cartas de Iwo Jima, Clint Eastwood apresenta o outro lado da história de A Conquista da Honra, mas não simplesmente o trivial outro lado. A versão japonêsa da emblemática batalha de Iwo Jima, durante a segunda grande guerra, é feita a partir de crônicas personalistas bastante ricas, capazes de revelar as congruências e incongruências das culturas que se punham em conflito.


O drama histórico de Iwo Jima nasce no momento da pesquisa para montagem de A Conquista da Honra, quando Eastwood começa a notar que as estratégias do General Kuribayashi permitiam aos soldados japoneses uma resistência impensável se considerada a forma como estavam encurralados na ilha e a incompatibilidade de seu material bélico com o estadunidense. Mais que o outro lado da moeda, Eastwood termina, na pesquisa sobre os milhares de jovens soldados que defenderam Iwo Jima, descobrindo homens; homens que, certos da morte, engoliam as areias negras da ilha e faziam, não conquistar a honra, mas mantê-la. É assim, inclusive, que se inicia a versão nipônica sobre a famigerada batalha.

Chama muito à atenção o jeito como se costura a narrativa, em que as personagens apresentam material para a construção de uma mais rica história. Cada nó narrativo é iniciado ou finalizado por uma das cartas – o texto é um memorial desenvolvido a partir dos documentos encontrados na ilha. A edição, assim, não é linear, pois divaga entre o passado e o presente de algumas personagens, mostrando suas origens, o motivo que os levara àquele lugar e justificando os seus sentimentos diante do que parecia, e foi, o fim de muitos deles.

Dentre os personagens, destaca-se o General Tadamichi Kuribayashi (brilhante
performance de Ken Watanabe), um homem de fibra, muito introspectivo, mas que conseguia aliar a essas suas características as técnicas exigidas pela arte da guerra. Kuribayashi, anteriormente, já havia morado nos Estados Unidos, o que serviu de empecilho na hora de conduzir homens que, apesar de dispostos a doar suas vidas pelo império e pelo imperador, não demostravam muita confiança naquele que os conduzia, visto sua admiração e a relação próxima que o General mantivera uma vez com americanos.

Saigo (Kuzanari Ninomiya), o padeiro que foi levado à falência indiretamente pela guerra, é outro personagem que se destaca, não somente por sua triste história, mas principalmente pelo papel que acaba exercendo junto aos colegas do campo de batalha, inclusive quando reflete sobre eles, os soldados, estarem ou não cavando suas sepulturas na ilha. A visão crítica e pessimista – que todo pessimista diria na verdade ser realista – de Saigo dubla os verdadeiros sentimentos da platéia que se sente à vontade para mudar de lado minuto a minuto. Isso porque é a voz de Saigo uma das principais reveladoras de uma vontade de sobrevivência que transcende a honra às tradições: enquanto alguns escolhem o suicídio, o padeiro se embrenha pelas mais de 200 passagens construídas a mando de Kuribayashi no interior da ilha. Talvez daí a identificação do ocidental com personagens como Saigo e Kuribayashi: é neles que a guerra perde a aura estratégica e se mostra como a situação ímpar, violação de corpos e mentes, em que a condição humana é questionada.

Foi desenhando sob a perspectiva da tradição japonesa que o diretor, que nem sabia falar o mesmo idioma de seu elenco, soube orquestrar os vários ecos históricos das memórias encontradas nas cartas sem descambar para o documentário enfadonho ou o melodrama chocante. Fica o refinamento estético aliado a uma narrativa sem pretensões ególatras ou moralistas. Este é uma das poucas produções cinematográficas que contam a participação do Japão na Segunda Grande Guerra, e mais, apontam as diferenças culturais entre os exércitos: até mesmo para os atores japoneses, mais familiarizados à ideologia ocidental, chega a ser incompreensível a resistência dos soldados que gritavam “Banzai!” contadas nas cartas de Iwo Jima. As falas sobrepostas no roteiro de Iris Yamashita poucas vezes parecem não serem parte de uma produção genuinamente japonesa, tão forte é o embate entre a tradição da honra e o desejo de honrar a vida.

Os prêmios recebidos pelo filme e as indicações ao Oscar podem até ser reflexo do reconhecimento um pouco forçado de que também estes soldados eram homens, homens como os americanos; bem no estilo da mentalidade pseudopluralista que às vezes afeta a cultura estadunidense, mais especificamente, a indústria cinematográfica e os simpatizantes da academia, como várias vezes já fora feito antes com homossexuais, mulheres e negros. Ainda assim, não se pode negar a excelência técnica e humana da produção, já que não é de graça (e nem em 5 minutos) que se monta um cenário tão verossímil quanto emocionante como o que há na Iwo Jima de Eastwood. Em técnica, não se trata de apenas mais um filme de guerra; há diferenciais que vão desde a narrativa sóbria até o bê-a-bá exigido em cenas de bombardeios e duelos balísticos. Se o que é necessário para ganhar indicações ao Oscar de edição de som e mixagem é fazer quem assiste o filme se sentir dentro da tela, Cartas de Iwo Jima faz jus às suas.

Ao final, um sol avermelha no horizonte, e fica clara a lógica desse edifício de
intensas palavras e imagens que é Iwo Jima: o que sobra do Japão enterrado na ilha acinzentada? Sobra o olhar humano; o olhar que sobrevive e, mesmo estuprado pelo conflito, consegue se equilibrar entre reconhecer, manter e honrar a tradição sem ter de fincar bandeiras ou levantar a voz em domínio. Não é a negação do inimigo nem a afirmação da pátria, mas a consciência do que é a guerra e de seus efeitos. O indivíduo sutil vê o sangue companheiro manchar o céu e hastear outras bandeiras; menos rígidas ou palpáveis que as ocidentais, mas ainda signos de vozes honrosas, as bandeiras de sol.

Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima)
EUA, 2006
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Ken Watanabe, Kazunari Ninomiya, Tsuyoshi Ihara, Ryo Kase Duração:141 minutos

Nunca desista de seus sonhos... Mais uma vez

Rafael Teixeira

Filmes que falam sobre as agruras e empecilhos que existem no caminho para se tornar um astro da música não são nenhuma novidade. De biografias reais às histórias mais fictícias possíveis, a sétima arte já fez de tudo, até esgotar todas as possibilidades de inovação, voltando e abusando sempre do velho tema “nunca desista dos seus sonhos”. Em Dreamgirls – Em busca de um sonho, a história se repete na mesma redundância de sempre (até no nome em inglês, e seu subtítulo desnecessário).

O filme é baseado na história real do grupo de cantoras negras The Supremes, que ganhou fama nos anos 60 ao invadir os palcos antes dominados por uma elite branca masculina. Beyoncé Knowles (a requebrante cantora de R&B), Jennifer Hudson ( a desconhecida ex-finalista do American Idol) e Anika Noni Rose são garotas humildes que sonham em alcançar o estrelato como o trio musical The Dreamettes, até que encontram o agente oportunista Curtis Taylor Jr (interpretado por Jamie Foxx, ganhador do Oscar por Ray) que as leva para cantar como backing vocals de James Thunder Early (Eddie Murphy) até que decolam em uma carreira meteórica.

O sucesso, porém, acaba mudando a vida de cada uma das meninas abruptamente e as distanciando de quem elas eram no começo de tudo, como em qualquer filme do gênero. O roteiro, portanto, não empolga muito pela sua falta de originalidade. O musical também não consegue conquistar com suas músicas, muito lentas, e com performances um tanto afetadas e exageradas em alguns momentos.

Talvez o que mais surpreenda seja o material humano do filme, com algumas
atuações impressionantes, em sua maior parte do elenco considerado coadjuvante. Jennifer Hudson, que não conseguiu entrar no American Idol, já angariou inúmeros prêmios por sua atuação (incluindo o Globo de Ouro e o SAG, e é sem sombra de dúvida a favorita para o Oscar de coadjuvante) como a determinada e “não-levo-desaforo-pra-casa” Effie White, mesmo que ela fique um pouquinho insuportável pra lá do fim do filme. E Eddie Murphy, também favorito ao Oscar de coadjuvante, que conseguiu desempenhar um papel dramático com certa habilidade, mesmo soando como o burro falante de Shrek algumas vezes.

Ainda assim, nenhuma atuação memorável, que vá tirar o fôlego da platéia. Principalmente no caso de Jamie Foxx, que faz sofrivelmente o vilão comum de qualquer filme, e Beyoncé, que mal aparece no filme além de cantar e ser a menininha ingênua que se arrepende no final. O que me leva a questionar por que ela foi indicada ao Globo de Ouro (e outros prêmios também) como melhor atriz, se o filme se centraliza mais na personagem de Hudson. Talvez mais uma manobra de politicagem das grandes autoridades cinematográficas, ou simplesmente porque Knowles é mais conhecida mesmo.

Dreamgirls – Em busca de um sonho é mais um musical que só conquista aqueles espectadores acostumados às histórias batidas e com lições de morais açucaradas mais batidas ainda. Belos figurinos, muito R&B, soul e disco music, mas nenhuma novidade.


Dreamgirls – Em busca de um sonho (Dreamgirls)

EUA, 2006
Direção: Bill Condon
Elenco: Beyonce Knowles, Jamie Foxx, Eddie Murphy, Danny Glover, Jennifer Hudson e Anika Noni Rose Duração: 131 min.

9.2.07

09/02 - Resenhas Novas

Resenhas Atualizadas:

Um novo affair para Madame Bovary

Carlos Giffoni

Baseado no livro de Tom Perrotta , Pecados Íntimos trabalha profundamente questões proibidas, em uma sociedade norte-americana onde se falseiam valores para, da maneira mais hipócrita possível, assemelhar-se à maioria de um grupo.

Kate Winslet vive Sarah, uma mulher inteligente, que questiona muito do que lhe é mostrado desde quando se inseriu numa rica realidade, essa proporcionada pela herança que sua sogra deixara. Ela vê seu casamento como um grande erro, como se o tivesse feito mais para cumprir a função de mulher do que por estar feliz com aquilo. Ler e escrever é o que preenche o seu tempo, juntamente aos cuidados com a filha, sua única companheira, já que o marido, que recorre à pornografia na internet, não demonstra também estar muito satisfeito com a situação do casal.

Kathy e Brad (Jennifer Connelly e Patrick Wilson), protagonistas do outro casamento, parecem estar mais contentes com sua relação, mas o que melhor os define é o estado acomodado que os domina, administrado, em parte, pela existência de um filho. A mulher é a chefe da casa; o marido, um advogado que não consegue passar no exame da Ordem. Contanto que não passem por dificuldades, as peculiaridades na vida de um casal, como sexo por exemplo, passam a ser secundárias na história dos dois.

Jackie Earle Haley conduz o terceiro braço da história no papel de um doente, psicótico, ou
maníaco sexual; sua definição é proporcionalmente trágica à tentativa de ocultar as fraquezas a que qualquer um pode estar submetido, ou seja, James McGorvey, o homem do quem todas as crianças devem fugir devido à sua flagrada “exposição em público”, é o bandido que deveria servir de mártir, admitindo-se o comportamento deliberado e hipócrita da sociedade. Seu destino se cruza com o do policial Larry (Noah Emmerich), sendo que ambos ainda pagam por um erro cometido no passado, e, agora, são juntamente jogados numa linha de fogo-cruzado.

A narrativa se assemelha muito ao que seria um filme da série “Desperate Housewives”, de Marc Cherry, contendo cenas, inclusive, muito semelhantes às que já foram ao ar pelo seriado. A convivência dentro de casa acaba levando as personagens a uma tentativa de fuga insólita, assim como acontece na vida das quatro donas de casa americanas.

O diretor, que também dirigiu “Entre Quatro Paredes” - cuja temática se assemelha à deste novo filme no que se refere às nuances dentro de uma família, ou, no caso, de várias famílias -, utiliza um recurso que vem sendo consagrado no cinema: a metalinguagem. O bem sucedido “Match Point”, de Woody Allen, aproxima a trama do seu protagonista ao que ocorre no clássico de Dostoievski, Crime & Castigo, por exemplo. Madame Bovary é o clássico da vez, e a aparente infeliz Sarah é quem tem afinidades com a mulher que revolucionou a literatura européia na metade do século XIX, abrindo as portas para o Realismo.

Com três indicações ao Oscar, uma pela roteiro adaptado, outra por Kate Winslet (Atriz) e a terceira por Jackie Earle Haley (Ator coadjuvante), o filme tem como destaque as atuações; muito é exigido dos intérpretes, devido à complexidade de seus papéis e ao viés humano que assumem, repletos de anseios e erros, mas que, no final, não são fortes o suficiente para consertá-los.


Pecados Íntimos (Little Children)
Eua, 2006
Diretor: Todd Field Elenco: Kate Winslet, Patrick Wilson, Jennifer Connelly, Noah Emmerich e Jackie Earle Haley Duração: 130 minutos

Identidades em esboços

Luiz Prado

Que o cinema de animação não é coisa só para crianças já se sabe há muito tempo. Que, uma vez ou outra, esse cinema é capaz de produzir obras-primas também é conhecimento antigo. Porém, é com O Homem Duplo que se constata o êxito dessa técnica no exercício da reprodução das relações humanas.

Sete anos no futuro, os Estados Unidos travam um combate sem esperança contras as drogas.
Cerca de 20% da população é composta de viciados e a poderosa Substância D cria mais dependentes a cada dia. Nesse cenário está Bob Arctor (Keanu Reeves), um policial disfarçado com a missão de espionar seus amigos viciados, Jim Barris (Robert Downey Jr.), Ernie Luckman (Woody Harrelson), Donna Hawthorne (Winona Ryder) e Charles Freck (Rory Cochrane). A vida de Arctor entra em colapso quando recebe ordens de vigiar a si mesmo, levando-o a uma trilha paranóica propiciada pelo abuso das drogas e suas incertezas sobre identidades e lealdades.

Adaptado do romance "A Scanner Darkly", do conceituado autor de ficção científica Philip K. Dick (cuja obra já foi levada ao cinema em filmes como Blade Runner - O Caçador de Andróides, O Vingador do Futuro e Minority Report - A Nova Lei), o filme se destaca não só pelo processo de animação (chamado rotoscopia, que consiste em registrar tudo como numa produção convencional e depois animá-la sobre os atores e cenários) mas também pela maneira escolhida pelo diretor Richard Linklater de transpor a história original para a película. Ao invés de se prender ao enredo e se preocupar em criar uma história facilmente digerível, Linklater preferiu focar sua atenção na convivência de Arctor e seus amigos, retratando o futuro não pelas suas maravilhas tecnológicas, mas através do que pensam e como agem as pessoas que nele vivem.

Seja nas ações paranóicas do pouco confiável Barris (cuja atuação Downey Jr. torna memorável), na crise de dependência profunda de Freck ou no medo de contato físico de Donna, temos registrado o estado de espírito de pessoas sufocadas pelo sistema, pela constante vigilância das câmeras da polícia e pela ameaça de se verem confinadas numa das unidades da clínica para dependentes New Path. Estado de espírito que muito lembra o vivido pelos estadunidenses em dias de Ato Patriótico e de Guerra ao Terror.

Por essa preferência em deixar os personagens falarem pelo cenário, o diretor teve também
liberdade para mostrar na tela todas as paranóias e alucinações dos personagens. A missão de Arctor pouca importância tem no enredo por si só. Ela vale enquanto cria o estado de queda do personagem, colocando seu frágil seu equilíbrio em risco. Da mesma forma, todo o futuro só tem validade no filme ao imprimir sua marca nos personagens, criando as situações para os diálogos de humor cáustico e trágico. Em O Homem Duplo, o futuro não se mostra nos benefícios para a vida prática dos homens, mas nos efeitos que produz no interior de cada um deles.

O Homem Duplo (A Scanner Darkly)
EUA, 2006
Direção: Richard Linklater Elenco: Keanu Reeves, Robert Downey Jr., Wood Harrelson, Winona Ryder e Rory Cochrane Duração: 100 min.

6.2.07

Vidas em Retrato

Luiz Prado



A batalha de Iwo Jima tornou-se célebre não apenas por ser o primeiro confronto em solo japonês da Segunda Guerra, ou por ter sido responsável por 25% de todas as Medalhas de Honra concedidas pelos Estados Unidos durante o conflito. Iwo Jima tornou-se célebre também por causa de um foto.

Em 23 de fevereiro de 1945 os fuzileiros da marinha tomaram o monte Suribachi, o ponto mais alto da ilha. Para comemorarem o fato, fincaram uma bandeira dos Estados Unidos no topo. Duas vezes. Na segunda, o fotógrafo da Associated Press, Joe Rosenthal registrou o momento. E assim foi criada uma das imagens mais emblemáticas da guerra para os norte-americanos.

A Conquista da Honra conta a história dos sobreviventes dentre os rapazes que
ergueram a bandeira em Iwo Jima. Retirados do campo de batalha para servirem ao país na campanha de arrecadação para fundos de guerra, John "Doc" Bradley (Ryan Phillippe), membro do corpo médico da marinha; Ira Hayes (Adam Beach), um indígena reservado; e René Gagnon (Jesse Bradford), mensageiro de campo, percorrem os Estados Unidos como heróis, discursando, falando com personalidades e sensibilizando as pessoas para continuarem a apoiar a guerra, financeira e emocionalmente.

Clint Eastwood conta com maestria a história de jovens obrigados a assumir papéis para os quais nem sempre estão preparados e que às vezes mal podem suportar. Com atuações precisas, Phillippe, Beach e Bradford encarnam garotos recém-saídos da adolescência, pegos no vendaval de acontecimentos de uma guerra mundial. Bradley não consegue esquecer os gritos de socorro de Iwo Jima; Hayes não suporta ser chamado de herói enquanto seus companheiros ainda continuam no combate; todos os três ainda não esqueceram dos outros jovens que fincaram a bandeira junto deles. Em Iwo Jima eles deixaram mais do que seu sangue.

A fidelidade na recriação do desembarque em Iwo Jima é deslumbrante. Cenas de batalha impactantes, câmera tensa e tons escuros geram uma atmosfera de desolação, um sentimento de que talvez toda a batalha não passe de um fim em si mesmo. Essa é a imprensão que Hayes parece levar consigo durante seu retorna à América, e que parece gritar para o espectador. Um semblante cinzento, paralisado pela imagem de companheiros destroçados em cavernas escuras por um inimigo que mal podiam reconhecer na noite profunda.

A Conquista da Honra (Flags of our Fathers)
EUA, 2006
Direção: Clint Eastwood Elenco: Ryan Phillippe, Adam Beach, Jesse Bradford, Barry Pepper e John Benjamin Hickey Duração: 132 min.

Procura, mas não acha

Rodolfo Mendes

Quem diria, há 10 anos, ninguém seria capaz de dizer (e com razão) que Will Smith iria concorrer ao Oscar ou a um Globo de Ouro. O adolescente negro que virou febre nos Estados Unidos com o hit "Parents Just Don't Understand" e o seriado "The Fresh Prince Of Bell Air" (cujo tema de abertura ele canta até hoje nos raros shows que realiza) cresceu, deixou a música em segundo plano, e resolveu enfrentar os desafios de Hollywood.

Depois do fim do seriado que o afamou mundo afora, ele atuou em diversos filmes como as franquias Bad Boys e MIB. No entanto, ficava mais do que evidente que em quase todos os filmes e seriados, Will Smith simplesmente fazia caras e bocas de si mesmo; a semelhança entre todos esses personagens não era mera coincidência (e o megasucesso 'Big Willie Style' só serviu para enfatizar essa imagem).

O divisor de águas foi "Ali", o filme que conta a vida do famoso boxeador rendeu a Smith uma indicação ao Oscar de melhor ator em 2002 (a primeira vez que dois atores negros concorreram ao prêmio ao mesmo tempo, sendo que o ganhador foi Denzel Washington) e mostrou que ele sabia, sim, ir além do que já tinha feito, mesmo que fosse preciso uma referência viva para tal.

O seu maior sucesso, entretanto, fica por conta da película posterior "Hitch", que arrecadou mais de 350 milhões de dólares no mundo todo e o colocou à frente de nomes como Tom Cruise e Tom Hanks no circuito cinematográfico (logicamente, estamos falando de rentabilidade financeira).

"À Procura da Felicidade", filme que estréia em salas tupiniquins, provavelmente irá render a Will Smith sua segunda indicação ao Oscar (além de horrores nas bilheterias). Novamente no papel de uma pessoa que existiu de verdade, agora ele é Chris Gardner, homem negro norte-americano que aos poucos vê sua vida ruir: sua mulher o abandona com o filho pequeno (interpretado pelo seu filho na vida real, Jaden Smith) e o deixa numa cruzada arriscada pelo sucesso. A história é a de sempre: eles passam por privações e se viram como podem, Gardner tem um emprego irregular de vendedor e ainda resolve e se arriscar em um estágio não remunerado para ter a chance de conseguir um emprego numa empresa financeira de alto calibre.

Hoje Gardner é dono de sua própria empresa de especulação financeira e tem seus milhões de dólares na conta, mas a história vale mesmo pelas atuações de Smith e seu filho, e de como eles se viraram entre os percalços e o moralismo que tenta ensinar a seu rebento. O destaque fica por conta do frisson do final, introspectivamente explosivo (de felicidade, óbvio).

É a conhecida história do sonho americano se tornando realidade, mas este filme é um drama, e não um melodrama. Will Smith pode até merecer sua segunda indicação, mas dificilmente vai levar a estatueta pra casa.

À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness)
EUA, 2006
Direção: Gabriele
Muccino Elenco: Will Smith, Jaden Smith, Thandie Newton, Brian Howe e Dan Castellaneta Duração: 117 min.