24.11.06

Não enlouquecer com a família é uma loucura

Rafael Teixeira


Família a gente não escolhe. Nem pai, nem mãe quanto mais irmãos. E aí todo dia é uma batalha para se ajustar as expectativas cada membro e sobreviver a cada briga.
Zachary (Marc-André Grondin) vive em um ambiente familiar onde se sente incompreendido. Quarto filho de um grupo de cinco, ele vive em conflito com o pai devido a seus gostos um tanto duvidosos e um tanto afeminados (seu jeito de vestir, sua predileção pelo antigo glam rock, etc.) e não consegue ser respeitado por nenhum do seus irmãos: Raymond, o filho mais velho, mulherengo, rebelde e desrespeitador; Christian, o estudioso nerd que não pára de ler; Antoine, o esportista, mal educado e briguento e Yvan, o caçula.
A mãe de Zach parece ser a única pessoa que o entende, e acredita piamente que por nascer no Natal, o filho possui um dom milagroso de cura. Mas nem mesmo Zach consegue saber quem ele é ou o que quer. E é sua jornada de descobrimento que o filme C.R.A.Z.Y (as iniciais dos cinco filhos) narra.
Zach se torna cada vez mais confuso sobre sua sexualidade, suas escolhas, seu comportamento. E todas as demandas que a sociedade parece cobrar o tornam ainda mais confuso e caótico, pontuando sua busca por autoconhecimento por uma autoflagelação íntima. Ele não se perdoa e nega a qualquer custo sua homossexualidade e isso só o faz colidir de frente com todos a sua volta.
Esse filme de Jean-Marc Vallée consegue mostrar com grande sensibilidade e profundidade a história de Zach e extrai grandes atuações de Michel Côté e Danielle Prouxl como os chefes da família Beaulieu. Os filhos infelizmente só se salvam por causa de Grondin como Zach e Pierre-Luc Brillant como Raymond, os outros não passam de estereótipos batidos.
O roteiro cativa, mas o filme talvez demore mais do que o necessário para chegar ao fim, tornando a auto-flagelação e negação de Zachary um pouco cansativao (você acaba pensando “porque o garoto não resolve ser feliz?”). Mesmo assim não deixa de ser um filme comovente sobre deixar de lutar para ser igual a todo mundo, para simplesmente ser você mesmo.

C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor (C.R.A.Z.Y.)
Canadá, 2005
Direção: Jean-Marc Vallée Elenco: Michel Côté, Danielle Proulx, Marc-André Grondin, Pierre-Luc Brillant. Duração: 127 min

23.11.06

“Harry Potter can kiss my ass!”

Rafael Teixeira

Pense em todas as séries e filmes de bruxaria que você assistiu recentemente: Charmed, Sabrina, Jovens Bruxas... jogue todas em um caldeirão. Acrescente algumas doses de testosterona e piadas machistas e transforme as bruxas em bruxos. Depois é só temperar com um pouco de besteirol americano adolescente e uma pitada de sustos estilo “Pânico” e você terá o filme O Pacto.

Cinco famílias inglesas muito poderosas e dominadoras da magia fundaram a cidade de Ipswich nos Estados Unidos, depois de serem perseguidas pela caça as bruxas de sua terra natal. As famílias selam um pacto de silêncio sobre suas habilidades mágicas e se comprometem a nunca usá-las em público ou de forma demasiada, já que a constância pode viciar, o que causaria o envelhecimento e a destruição o corpo do usuário imprudente. Só que uma das famílias, sedenta por poder, acaba sendo banida por suas ações, dizimada até não restar nenhum descendente.

Caleb, Pogue, Reid e Tyler são os filhos de Ipswich, prole das quatro famílias originais, dotados de incríveis poderes. Cada um deles utiliza seus poderes de acordo com suas personalidade e vivem uma vida normal no seu último ano na Academia Spencer. Mas todo o equilíbrio de suas rotinas agradáveis é quebrado quando um dos descendentes da quinta família banida retorna sem aviso, em busca do poder dos membros do Pacto.

O filme de Renny Harlin não deixa a desejar em efeitos especiais, e as seqüências onde os filhos de Ipswich usam suas magias são bem interessantes. Mas o roteiro tem aquela mesma fórmula de entretenimento fugaz: uma hora você está se divertindo, mas alguns segundos depois você vai preferir dar uns amassos ou fazer piadas dos atores (que por sinal dão um show de péssima atuação em falas cheias de clichês).

A seqüência final de ação parece mais uma cena extraída da série Dragon Ball Z, cheia de esferas de energia voando pra todos os lados e um monte de “blá-blá-blá-blá” entre os oponentes. Ainda assim, para aqueles que querem um entretenimento despretensioso esse filme tem de tudo: ação, briga, acidentes e explosões, pros meninos cena do chuveiro, pras meninas, rapazes sarados de sunga e cena no vestiário, além de algumas piadinhas infames, mas que fazem rir justamente por isso. Como a que intitula essa resenha, quando o personagem Reid usa seus poderes de forma bastante criativa.
O Pacto (The Convenant)
EUA, 2006
Direção: Renny Harlen Elenco: Steven Strait, Laura Ramsey, Sebastian Stan, Taylor Kitsch e Chace Crawford Duração: 97 min

9.11.06

Equilíbrio rompido

Carlos Giffoni

Departamento Estadual de Polícia de Massachusetts, Boston. Crime organizado, Boston. Dois homens, dois segredos, uma única e íntima relação.

Colin Sullivan (Matt Damon) é um brilhante rapaz. Órfão desde muito pequeno, aprendeu a sobreviver nas ruas de sua cidade com uma pequena grande ajuda de Frank Costello (Jack Nicholson), o chefe das organizações criminosas da região. Colin tinha uma vontade: crescer dentro da polícia de Boston. E esse não era um desejo apenas seu, claro que Frank via uma oportunidade de ouro em ter alguém infiltrado dentro da instituição que o perseguia. Assim, Costello funciona como um mecenas para Sullivan, porque o trabalho que os dois arquitetam e desenvolvem juntos pode ser considerado uma obra de arte.

Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) tem um histórico familiar pesado, o que acaba dificultando a sua entrada na polícia mesmo após passar por um difícil processo de preparação. Nas últimas instâncias da seleção, lhe foi perguntado qual era o seu verdadeiro objetivo: servir ao estado, confrontar o passado obscuro que carregava por sua família, ou ser um funcionário do crime que fingia idolatrar o trabalho apenas para obter informações úteis? Para comprovar suas intenções, Billy vê-se diante de um grande desafio: conquistar a confiança da máfia de Costello e, a partir do momento em que estivesse infiltrado, coletar material para a condenação do homem mais perseguido pela polícia de Boston.

Os dois homens carregam passados divergentes, mas acabam tendo um conflito em comum: suas identidades são postas à prova diante de um ideal. Pode-se dizer que a história tem quatro principais mini-personagens (Colin e Billy com suas duplas personalidades), e a maneira como os cortes são feitos dá uma certa cadência à filmagem, sóbria e concisa. Não é um simples filme policial, sua trama aborda conflitos pessoais e profissionais dos protagonistas, e o jogo de identidades a que são submetidos não se torna previsível, pelo contrário, a cada instante temos novas situações e revelações dos membros envolvidos na trama.

A relação entre Martin Scorsese e DiCaprio volta a dar certo depois do fiasco em “O Aviador”, quando o ator interpretou Howard Hughes, personagem título. Seu papel em “Os Infiltrados” exige certa maturidade, como ocorreu em “Gangues de Nova Iorque”, e o mocinho frustrado por ainda não ter sido reconhecido pela Academia pode, ao menos, dizer que fez um bom trabalho. Chega a parecer que o próprio Leonardo passou por tais situações e sabe muito bem como é ser outra pessoa. Neste filme, aquele cara rebelde rejeitado pela polícia faz por merecer aquilo que desejava, seu orgulho ferido serviu como combustível na hora de entrar em ação e passar por um criminoso, alguém que ele não era. Talvez seu orgulho ferido tenha também sido ativado na vida real.

A decepção está em Matt Damon. O garoto prodígio de “Gênio Indomável”, que apontou como
promessa para o cinema num futuro próximo, hoje está marcado por trabalhos apenas regulares, como visto em “O Talentoso Ripley”. Damon falseia um sotaque suburbano de maneira horrível e resume as dificuldades pelas quais seu personagem passa a gritos e socos, alternando tais momentos com carinhos e fragilidades tanto em seu departamento como em sua casa, com sua namorada.

No caso de Jack Nicholson, temos apenas mais um filme em que sua característica atuação deve ser reverenciada. Sutilmente cômico quando o momento exige drama; profundo nas situações mais banais e perspicaz para captar a individualidade de cada personagem que representa. O premiado ator é um ótimo antivilão, daqueles para os quais a platéia torce.

O elenco em “Os Infiltrados” não está só nos grandes nomes dos créditos. Martin conseguiu extrair muito de cada ator, inclusive dos coadjuvantes, entre eles Mark Wahlberg e Martin Sheen (coordenadores da missão de Costigan), e Vera Farmiga, que se envolve com os dois infiltrados, mas de maneiras diferentes: Sullivan era seu namorado, Costigan, freqüentador de seu divã.

O filme é uma promessa para o Oscar 2007, sendo a direção um aspecto que merece destaque. Scorsese consegue clarear o roteiro fragmentado e complexo, que envolve muitas trocas de posições, desafios, jogos e conflitos propostos. “O meio não muda você, é você que muda o meio”.

Apesar da brilhante condução de todo o roteiro, o final não foge do estilo tradicional de filmes policiais. Inteligente, porém apelativo. Surpreendente, mas vago em alguns momentos. Só esqueceram de pontuar que tiros para todos os lados nem sempre é a melhor solução.

Os Infiltrados (The Departed)
EUA, 2006
Direção: Martin Scorsese. Elenco: Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Martin Sheen e Mark Wahlberg. Duração: 151 minutos.

2.11.06

Grande truque, grandes segredos

Rafael Teixeira

Dois grandes amigos, criados nos bastidores do mundo dos espetáculos de mágica na virada do século XIX, eles mesmos sonhando em se tornarem grandes mágicos. Mas o que acontece quando um acidente os torna rivais e suas vidas uma grande competição para conseguir criar o melhor truque de todos?


Em O Grande Truque, Christopher Nolan (Amnésia) se junta novamente aos seus parceiros de Batman Begins, Christian Bale (o Batman) e Michael Caine (o mordomo Alfred), e acrescenta mais um famoso super-herói das grandes telas, Hugh Jackman (o Wolverine da trilogia X-Men), para criar esse filme sobre dois amigos e umaa rivalidade desastrosa para provar quem é o maior entres os mágicos.


A dinâmica do novo filme de Nolan pode ser explicado facilmente com a teoria que é apresentada logo no começo do longa, pelas palavras do personagem de Michael Caine, Cutter, engenheiro que produz as máquinas e estruturas responsáveis pelos truques mágicos.


Segundo ele “Todo truque consiste em três atos. O primeiro é chamado de A Promessa: o mágico mostra uma coisa comum, mas naturalmente... Provavelmente não é”. Robert Angier (Jackman) e Alfred Borden (Bale) são dois amigos que sonham em ser grandes mágicos, mas com personalidades bem distintas. Enquanto Angier é uma pessoa carismática e pode ser considerado o verdadeiro showman, Borden é taciturno, reservado e observador, preocupado apenas em criar o truque perfeito. Uma fatalidade, porém, planta a discórdia entre os dois, tornando-os inimigos e rivais.


Cutter, antigo mentor dos dois e depois parceiro de Angier em seus números de mágica, continua: “O segundo ato é chamado A Virada: o mágico transforma algo comum em algo extraordinário.” Angier e Borden começam uma briga ferrenha para provar quem é o melhor mágico, deixando no caminho um rastro de sangue, segredos e mistérios. Até o momento em que Borden cria um truque que impressiona a todos: O homem transportado, chamando também a atenção de Angier, que faz de tudo para copiá-lo.


Finalizando, Cutter afirma: “Agora, se você está procurando o segredo, não vai descobrir. Por isso, há um terceiro ato: O Grande Truque.” É quando acontecem todas as mudanças, onde todos prendem a respiração até o último segundo, e quando a platéia presencia algo incrível e único. No filme, esse último ato é representado pela revelação de todos os mistérios que envolvem os bastidores dos truques desses dois mágicos.

O Grande Truque é um thriller cheio de suspense e segredos que tem dois protagonistas que se revezam nos papéis de mocinho e vilão o tempo todo, fazendo com que o público escolha um dos lados e se confunda sobre as verdadeiras intenções de cada personagem. Um verdadeiro quebra-cabeça cuja disposição muda constantemente.

Nolan dirige as atuações consistentes de Bale e Caine, mas quem rouba realmente a cena é Hugh Jackman, que mais uma vez mostra que é mais do que um par de garras afiadas. Também no filme encontramos Scarlett Johansson (Encontros e Desencontros) no papel inexpressivo da assistente Olívia, e a participação de David Bowie como o “cientista maluco” Nikola Tesla.

O grande feito do filme, porém, é o extraordinário roteiro, adaptação feita por Nolan e seu irmão Jonathan, do livro The Prestige de Christhoper Priest. Um texto cheio de falas memoráveis, referências e metáforas aguçadas, sem falar nos grandes segredos que envolvem a trama.

Mas o filme falha ao se alongar demais. Com uma duração de mais de duas horas, acaba deixando muitas pistas, facilitando para o espectador descobrir os mistérios por trás do “grande truque”, bem antes do final.

E aí fica a pergunta: qual a graça do truque, se nós já sabemos seu segredo?


O Grande Truque (The Prestige)
EUA/ Inglaterra 2006
Direção: Christopher Nolan Elenco: Hugh Jackman, Christian Bale, Michael Caine, Scarlett Johansson e David Bowie. Duração: 128 min.

O Tempo do Amor


Luiz Prado

Seh-hee é uma mulher perturbada. Após dois anos de namoro com Ji-woo acredita que não desperta mais interesse no parceiro. Descontrola-se quando ele conversa com outras mulheres e acredita que seu corpo já não o satisfaz. Certa noite propõe que façam sexo enquanto ele pensa em outra mulher. Ela se indigna quando ele confessa que o fez; ele acha absurdas as ações dela.

Emocionalmente abalada, Seh-hee decide que a única coisa a fazer é abandonar Ji-woo para que ele possa encontrar uma outra mulher. Contudo não deseja deixá-lo, e dessa forma concilia suas duas vontades fazendo uma cirurgia plástica, que lhe dá novos rosto e identidade. Após seis meses, já recuperada da operação, surge novamente na vida de seu amado.

Time é o 13º filme do diretor sul-coreano Kim Ki-Duk e revela o mesmo vigor de Casa Vazia e O Arco, suas mais recentes produções. Porém, a dialética entre a modernidade, representada pela tecnologia, e a filosofia zen-budista dos filmes anteriores é substituída pela abordagem dos sentimentos e a busca por calor humano num mundo onde é cada vez mais fácil achar companhia para uma única noite. Deve-se esperar pelo antigo amor se algumas horas no karaokê podem oferecer um corpo aquecido?

Desamparado, Ji-woo não consegue esquecer a namorada, mas busca conforto junto de outras mulheres. Até que encontra See-hee, garçonete de um café, visivelmente interessada por ele. Quando a relação entre os dois parece ter apagado a memória de Seh-hee uma carta surge anunciando seu retorno. Encontro marcado, Ji-woo se depara com See-hee, que usa uma máscara com o rosto de Seh-hee.

Kim Ki-Duk não retrata pessoas isoladas socialmente, como fez com o jovem arrombador de Casa Vazia ou os moradores do barco de O Arco. O diretor parece mais interessado em analisar como as pessoas se afastam do mundo quando se tornam obcecadas e divagar sobre até que ponto o desejo por outro pode nos fazer desistir da própria existência. Repleto de diálogos, inclusive dos protagonistas (inexistentes nas obras anteriores), o filme parece afirmar que a comunicação não depende do quanto falamos, mas de como nos entrosamos com as pessoas. De certa forma Ki-Duk contrapõe os personagens de Time com os de seus trabalhos anteriores, silenciosamente em comunhão uns com os outros.

Em diversos momentos da película temos a imagem de uma escultura. Esta se compõe de duas mãos cujos dedos se entrelaçam formando uma escada que leva ao nada. Ou à queda de volta ao solo. É nessa escada que estão os personagens de Time, abandonados a um ciclo de desencontros muito similar à regularidade dos ponteiros de um relógio.

Time
Coréia do Sul, 2006
Direção: Kim Ki-Duk. Elenco: Sung Hyun-Ah, Há Jung-Woo, Park Ji-Yeon, Kim Seong-Min, Kim Ji-Yeon. Duração: 96 minutos.