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Inimigo interno

Bruno Benevides

Filmes de agentes secretos têm muitas diferenças, do sotaque ao drink preferido, mas em geral guardam uma característica comum, a missão dos protagonistas. Estes sempre são responsáveis por salvar o seu mundo, sendo assim, reflexos de sua civilização. A cinessérie do ex-agente secreto americano Jason Bourne mexeu com isso. Ele não está nem um pouco interessado em livrar o mundo de algum vilão megalomaníaco. Muito menos se importa em servir a rainha ou em salvar a pátria. Quer é descobrir quem o transformou em um assassino.

Este “Ultimato Bourne” completa muito bem a trilogia iniciada com “Identidade Bourne” e depois continuada com “Supremacia Bourne”. Nela, acompanhamos a busca do agente Jason Bourne para descobrir quem ele era antes de ter sua memória apagada. A cada uma das três partes o personagem e a série foram crescendo e amadurecendo, num resultado incomum para um filme desse gênero, já que no fim a ação não é o mais importante.

O elenco, que já era bom, recebeu boas adições. Os novos rostos têm como principal destaque David Strathairn no papel do chefão da CIA Noah Vosen, responsável pela caça do ex-agente e que parece recém saído do governo Bush, e Albert Finney surge como o Dr. Albert Hirsch. Matt Damon mantém seu Jason Bourne como alguém comum e não um super agente. Joan Allen volta como Pam Landy, diretora da CIA que nutre certa simpatia pelo espião. De ruim mesmo só o maior destaque dado a Nicky Parsons. Não que a personagem seja ruim, pelo contrário. O problema é que ela é interpretada por Julia Stiles. Aí não tem jeito.

O diretor Paul Greengrass traça um paralelo entre o filme e a realidade. O perigo de um governo sem fiscalização e o excesso das equipes de segurança surgem como problemas incomodamente reais nos dias de hoje. Duas cenas trazem ainda menções a episódios reais. A captura de um desconhecido em um ônibus londrino no começo do filme remete a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes. E a cena da transformação de Jason Bourne traz uma imagem similar às fotos de torturas praticadas pelos soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib.

Tecnicamente perfeito, o diretor ainda acerta ao construir a narrativa do filme como uma grande perseguição. Bourne está sempre em movimento, está sempre atrás de alguém ao mesmo tempo que alguém está atrás dele. No único momento que pára, o filme acaba. Os cortes rápidos e a breve duração da projeção ressaltam essa idéia de correria.

Por fim o resultado de tudo isso é que “Ultimato Bourne” agrada não apenas fãs de ação. Mais do que um filme desse gênero, a projeção é um filme político. A luta de Bourne não é pela pátria, é interna. Primeiro porque ele enfrenta o establishment, se confronta com sua civilização. Seus adversários são seus conterrâneos. Depois porque o agente se vê obrigado a questionar suas próprias escolhas do passado, descobrindo que ele também é responsável pelo que faz. O grande adversário, assim, é ele e a civilização em que vive. Sem dúvida esse é um filme que merece ser visto.



O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum)
EUA, 2007
Direção: Paul Greengrass Elenco: Matt Damon, Julia Stiles, David Strathairn , Joan Allen, Edgar Ramirez, Albert Finney. Duração: 111 min.