23.4.07

Rafael Teixeira

Como discernir o que é real ou não na vida de cada um de nós?

Fé.

Em Colheita do Mal, Katherine Winter (a atriz ganhadora de dois Oscar, Hilary Swank) é uma ex-missionária, que depois do assassinato brutal de sua filha e marido em um trabalho voluntário no Sudão, passa a desacreditar em milagres e qualquer assunto sobrenatural. Torna-se então uma cética professora universitária, que investiga casos de eventos “milagrosos”, desvendando o que realmente acontece por trás de cada um.

Mas tudo muda quando Doug Blacwell, professor da cidadezinha de Haven, requisita os serviços de Katherine para resolver uma série de acontecimentos similares as pragas do Antigo Testamento e cuja culpa, segundo os moradores, seria da menina Loren McConnell. Chegando em Haven, Katherine tem de proteger a criança da ira dos cidadãos, enquanto tenta descobrir o que está causando todas as pragas. No processo, porém, ela perceber que tudo parece bem mais real do que esperava. Se torna impossível distinguir verdades. E aí voltamos na pergunta do começo dessa resenha.

Colheita do Mal é um filme bastante interessante considerando seu gênero, o suspense sobrenatural. Ganha vários pontos por não exagerar na sanguinolência e nas mortes desnecessárias além de não colocar cenas de propósito questionável e que estimulam mais o riso do que o medo (como as cenas dos cervos em o Chamado 2). Claro que nesse filme não poderia faltar uma criança misteriosa. A história é consistente, com analogias interessantes e pertinentes, mas que provavelmente vai enfadar aqueles que odeiam a mistura religião/terror/Satã/eseufilhotambém. O filme com certeza é mais interessante e cativante do que outros dessa safra (não diria assustador, porque hoje em dia é difícil achar um filme que realmente assuste, a não ser Glitter).

Tornou-se comum também no gênero utilizar-se do carisma do ator protagonista (geralmente mulheres bonitas, fortes e quase sempre com cordas vocais resistentes), que é quem realmente se ferra em todas as cenas, mas que acaba o filme vivo, com direito a frase de efeito. No caso de Colheita do Mal, isso não funciona muito bem. Não que Hillary Swank não esteja bem no filme (segurem as turbas enfurecidas), só que qualquer um que já viu os seus trabalhos como Meninos não Choram e Menina de Ouro, sabe que Swank foi feita para grandes papéis, fortes, com profundidade psicológica e que realmente tomem toda a energia e esforço do ator. O papel de Katherine, portanto, parece muito comum para ela.

História tem lá seus clichês básicos, como o fato de Katherine se tornar dura e fria por causa de uma perda familiar. Mas aqui, essa relação é mostrada com certo cuidado pelo diretor Stephen Hopkins (A Vida e Morte de Peter Sellers), em fragmentos e imagens fortes. E claro, o segredo da trama é inesperado.

O final (e quando digo final, digo o último quadro a passar pelo projetor) poderia ter sido mais impactante no que diz respeito a música. O corte é muito seco, sem atrativos, deixando aquela espera por algo a mais.

A música do filme se encaixa perfeitamente com as cenas de suspense, e a montagem também é muito bem feita, cheia de cortes, e flashbacks que misturam realidade e sonho, uma mistura fluída, que confunde o espectador e que dará sentido ao final da trama. Katherine passa o filme inteiro transitando por essa linha tênue que divide esses dois mundos que ela obrigou a criar, um dos fatos, das verdades absolutas, e o mundo do sobrenatural, do divino, da religião. Um mundo também de muita dor para ela. Mas quando essa linha desaparece por completo, em que confiar?

A Colheita do Mal (The Reaping)

EUA, 2007

Direção: Stephen Hopkins Elenco: Hillary Swank, David Morrissey, AnnaShopia Robb, Stephen Rea. Duração: 96 min.

Ilusão de ótica

Henrique Hiraoka


À primeira vista, A Última Cartada é apenas mais um filme de ação, porém tem um ar de originalidade

Buddy Israel é o cara. Trabalhando como ilusionista, ganhou a simpatia de mafiosos italianos e tornou-se íntimo deles. Em pouco tempo, entrou para a vida do crime em grande estilo e foi apontado como sucessor de Sparazza, o chefão da Cosa Nostra, a famigerada organização criminal de origem siciliana.

O FBI viu na prisão do ilusionista a oportunidade de desmantelar a rede de cr
iminosos. Com isso, os gangsters passaram a ver Buddy (Jeremy Piven) não mais como um aliado e sim como uma ameaça. Perseguido por policiais e bandidos, Buddy se esconde, dando início a um jogo de gato e rato que envolve agentes federais (Ray Liotta, Andy Garcia e Ryan Reynolds), a máfia italiana, um caçador de recompensa (um Ben Affleck canastrão e apagado) e seus comparsas: duas assassinas de aluguel (uma delas interpretadas pela estonteante Alicia Keys), três irmãos truculentos e um matador cujo o rosto ninguém conhece.

Com esse mote o diretor e roteirista Joe Carnahan (do imperdível Narc) faz um filme de ação acima da média, que não se apóia nem no carisma dos atores, nem utiliza elementos típicos do gênero, como excesso de efeitos especiais e músculos à mostra. A grande quantidade de personagens prejudica um pouco o entendimento da história, mas a edição muito ágil e a bem escolhida trilha sonora impõem um ritmo frenético ao filme.



Carnahan abusa das cenas de violência, e brinda o espectador com seqüências de tirar o fôlego como a do tiroteio no elevador. Os momentos de pseudo humor são totalmente dispensáveis, além de não acrescentarem nada ao filme. As reviravoltas dos últimos 20 minutos do filme, de fato, surpreendem, porém levam para um desfecho um tanto decepcionante.


Se por um lado o diretor teve a coragem de escalar o astro Ben Affleck para um papel tão insignificante quanto os dotes artísticos do galã, por outro pecou no final, que é um tanto certinho, para não dizer moralizante. Ao que parece, Carnahan perdeu a autonomia que tinha em outros filmes, no momento em que se rendeu aos encantos de Hollywood. De qualquer modo, A Última Cartada não deixa de ser uma grande opção de entretenimento.

A Última Cartada (Smokin' Aces)

EUA, 2007

Direção: Joe Carnahan. Elenco: Ray Liotta, Ben Affleck, Ryan Reynolds, Alicia Keys, Andy Garcia e Matthew Fox. Duração:109 min.

16.4.07

Morte aos leões

Rodolfo Mendes

Existem alguns filmes tão ruins que podem ser resumidos em uma frase. Existem outros filmes piores ainda que podem ser resumidos em uma ou duas palavras. Nesse caso, 'Caçados' pode ser resumido em uma só: execrável.

Isso mesmo, EXECRÁVEL. Logo depois de ver o filme, a sensação e as dúvidas que surgem são "alguém realmente tirou isso do papel?"..."quem foi o louco que achou que essa coisa ia dar dinheiro?"..."queimem os cinemas!"..."ah! vá se fuder!".

Deixemos a exaltação de lado e vamos à argumentação. Caçados é um filme pretensamente de terror e suspense com enredo batido e pífio: papai leva o casal de filhinhos 'aborrecentes' para passar uma temporada nas savanas africanas; só que durante um safari do qual o papai teve que se ausentar, eles se metem em encrenca e viram presas dos animais selvagens. O clímax do filme, se é que ele existe, é observar dois pré-adolescentes e sua madrasta presos num jipe à mercê dos leões famintos por carne humana, com direito ao velho clichê de ver todo mundo morrendo na boca dos leões, todo mundo menos os três, lógico... Isso resume praticamente tudo.

Bom, em filmes como esse uma boa pedida sempre foi o apelo erótico. Mas nem isso Caçados se deu ao trabalho de fazer. Os atores são desconhecidos e feios, exceto a madrasta (Bridget Moynahan, de O Senhor das Armas), mas não há erotismo implícito no filme, sob nenhuma forma, e olhe que numa obra ruim assim ele faz muita falta. O máximo que se consegue é um biquíni e um sutiã, e só. Nem um peitinho, nem nada.

Você provavelmente vai assistir muitos filmes horríveis em sua vida, fique longe de Caçados e ele não entrará nessa lista.

Talvez, e repito, TALVEZ, daqui a alguns anos ele consiga ter um apelo trash, mas isso é talvez e só daqui a um certo tempo. Se bem que é provável que nem a isso esse filme execrável chegue.

Enfim, Caçados é ruim em todos os sentidos, inclusive no que diz respeito aos atores, que se sujeitaram concubinar na elaboração de tanta merda. Resumindo, um filme/coisa que não merece sair em DVD, VHS, download nem em falsificações. Se alguma emissora de TV aberta ou a cabo exibí-lo, nunca mais assista a essa emissora.

O que realmente é foda é que no frigir dos ovos, "Grindhouse" dificilmente vai sair completinho em terras tupiniquins; enquanto que uma abominação cinematográfica dessas logo vai estar em nossos cinemas...

Caçados (Prey)

EUA, 2007

Direção: Darrell Roodt. Elenco: Bridget Moynahan, Peter Weller, Carly Schroeder e Conner Dowds. Duração: 92 min.

2.4.07

Jantando no Inferno

Luiz Prado

Trezentos espartanos, munidos de elmo, lança e escudo. Contra eles, um milhão de inimigos, comandados por Xerxes, o Deus-Rei da Pérsia, senhor de cem nações. Reunidos nas Termópilas, os Portões de Fogo, os guerreiros liderados pelo Rei Leônidas esperam que sua batalha desperte os corações de toda a Grécia, para que se levantem contra a opressão e lutem como os únicos homens livres que o mundo já conhecera.

300 é poderoso. Cada seqüência atira o espectador no meio da história lendária concebida pelo quadrinhista Frank Miller e adaptada pelo diretor Zack Snyder. Posiciona-o entre heróis incansáveis e a vilania repulsiva. Quando Leônidas, na pele de Gerard Butler, surge na tela é a certeza do discurso grandioso, aquele que ansiamos ouvir de um verdadeiro herói. Já quando o imponente Xerxes, interpretado por Rodrigo Santoro, aparece suntuosamente diante de nós, ficamos cara a cara com o pior que a humanidade tem para nos mostrar. Assim como nas fábulas, o bem e o mal se apresentam em estado puro para o espectador.

A narrativa vigorosa traduz com grande fidelidade o espírito do romance gráfico de Miller, encontrando correspondência na recriação virtual dos cenários e no tratamento das imagens, que permitem exibir na tela não o passado histórico, mas uma fábula de honra e sacrifício, tal qual imaginada nos quadrinhos. O trabalho de figurino também contribui para nossa imersão na batalha; o vermelho espartano do linho das capas, o dourado e o verde-azul exótico das hordas persas, e a ousada e imponente veste de Xerxes, acertadamente fiel à desenhada por Miller.

Snyder, se por um lado sabe muito bem transpor a narrativa gráfica para o cinema, por outro encontra dificuldade na hora de ampliá-la. A trama política de Esparta, desenvolvida exclusivamente para as telas, parece marchar num passo diferente e mais lento do que a narrativa dos heróis nas Termópilas. O impacto, o poder, a grandiosidade que vemos no confronto entre espartanos e persas não se encontra na fraca história de desejo e intriga protagonizada pela rainha Gorgo, vivida por Lena Headey e Theron, personagem de Dominic West. Nessa parte da narrativa, o épico dá lugar ao mundano. A participação de Gorgo é quase uma intromissão no deleite do espectador, uma interrupção à verdadeira história, que ocorre no campo de batalha. Felizmente essa verdadeira história tem força o bastante e supera o deslize da rainha e do político corrupto.

Quanto à técnica, vale destacar o uso constante da câmera lenta como recurso dramático. O diretor abusa do recurso sem, no entanto, esgotá-lo ou cansar o público. Snyder cria belíssimas imagens, como na chegada do mensageiro persa à Esparta ou na seqüência do primeiro dia de batalha. A trilha sonora é outro acerto da produção. Complementa as cenas de conflito e reforça o impacto das imagens, sem se sobrepor ou se ofuscar por elas.

Ofuscar-se. Há uma cena no longa em que Xerxes, furioso, afirma que apagará até a lembrança de Esparta da história, que ninguém jamais saberá do sacrifício dos trezentos. Leônidas o ouve e, simplesmente, responde que as pessoas saberão. Em seguida parte para jantar no inferno com seus homens. Enquanto isso, nós lembramos.

300

EUA, 2006

Direção: Zack Snyder Elenco: Gerard Butler, Rodrigo Santoro, Lena Headey, David Wenham, Dominic West Duração: 117 min.