22.1.07

Doce amargo

Carlos Giffoni


A história de dois jovens que se conhecem e desenvolvem rapidamente uma paixão descontrolada, sem limites. Ela, uma pintora; ele, um poeta. Ambos têm potencial para atingir o sucesso, tanto na profissão, como na vida. Duas pessoas felizes que, ao se encontrarem, perdem o rumo.

O amor sem medidas vivido pelo casal Candy (Abbie Cornish) e Dan (Heath Ledger) leva-os ao casamento. A partir daí, sua história deixa de ser o paraíso em que pareciam viver até então e os dois começam a enfrentar as dificuldades encontradas por “gente grande”. Dinheiro é um dos principais problemas. Casper (Geoffrey Rush), amigo há um bom tempo de Dan, é quem sempre acaba dando uma ajuda. Gay e solitário, ele funciona como um refúgio para o casal, que não pode contar com suas famílias. Na mesma medida, Candy e Dan são os amigos que Casper não tem, fortalecendo assim a relação entre o casal de jovens fugazes e um professor, bem sucedido, já de idade avançada.

Diante do desemprego, Candy começa a se prostituir, com o aval do marido. A relação entre eles se deteriora ainda mais, mesmo sem que percebam, à medida que a heroína se torna um elemento deste romance. O vício do casal é o que os leva a tal situação, em que ambos perdem a consciência de como viver. Quando a garota resolve se internar numa clínica de recuperação, Dan enfrenta um conflito pessoal e uma decepção. Esses dois elementos criados por ele acabam conduzindo está história a um final meio incomum, final esse que nos deixa com uma sensação ruim. Uma sensação de que, de certa forma, contribuímos com aquilo ao passo que nada fazemos para sair desta inércia.

“Candy” não chega a ser um filme completo. O que a produção esbanja na análise da dura realidade e das dificuldades encontradas por um casal de viciados, somada à emoção do tema, peca na hora de rechear o roteiro. À exceção da história dos protagonistas, todo o ambiente em que vivem e a importância da família ou de um grande amigo em uma situação como essa, são esquecidas. Apesar dos diálogos curtos e da recorrência de imagens representativas, o conteúdo em geral é bem pesado. Isso contribui para aquela sensação que ficamos ao final, quando as luzes da sala de projeção se acendem.

Candy

Austrália, 2006

Direção: Neil Armfield Elenco: Heath Ledger, Abbie Cornish, Geoffrey Rush, Noni Hazlehurst e Tony Martin. Duração: 108 min.

18.1.07

Presos sempre na mesma torre

Rodolfo Mendes

Diz a história que quando o homem decidiu construir uma torre que atingisse os céus para assim se equiparar a Deus, Ele, como forma de punição ante a afronta, criou as diversas línguas do mundo para que os homens não entendessem o que cada um tentava falar ao outro. Ou seja, a punição do homem foi a barreira do não-diálogo, mesmo para aquele com que você se sinta próximo ou conheça. É essa a idéia que norteia e sistematiza, o tempo todo, o plano de fundo do filme Babel.

O filme entra no quesito, mas não na onda, dos filmes enredados por historietas de diferentes nichos de personagens amarradas que, de alguma forma, se inter-relacionam, igualmente como acontece no filme Crash - No Limite, o ganhador do Oscar do ano passado. E esse é um dos pontos que contam a favor da argumentação (apesar de para alguns parecer repetição) do favoritismo de Babel ao premio mais famoso do cinema, mas isso não é, nem de longe, o maior de seus méritos.
As idéias de Babel vieram da conhecida e bem sucedida dupla composta pelo diretor González Inárritu e o roteirista Guillermo Arriaga. Foram eles os responsáveis pela popularização do cinema de narrativa não linear nos últimos anos com seus excelentes Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003). Muitos prêmios e milhões de dólares depois (que ajudaram a conseguir o elenco de primeira necessário para esse terceiro trabalho), Babel aparece como a terceira parte da tetralogia idealizada por Arriaga que já declarou que a parte que falta, o início (logicamente, não é uma tetralogia linear...), será terminada no filme Cielo Abierto (sem data e nem previsão por enquanto); entretanto, que fique claro que dificilmente a dupla voltará ao batente junta: eles romperam durante as filmagens de Babel e, segundo declaração do próprio roteirista: "não tem mais volta".
Discussão de bastidores à parte, Babel merece o burburinho que causou entre os críticos. O filme, como já dito, narra a história em núcleos separados de personagens com algum elo direto ou indireto entre si; os núcleos são quatro e falados em cinco línguas diferentes (inglês, espanhol, árabe, japonês e a linguagem dos sinais). É claro, não se trata apenas do problema de comunicação entre línguas, mas também entre as culturas advindas e produtoras das mesmas. Entretanto, as peculiaridades de cada cultura são de pouca influência no transcorrer do destino dos personagens, o que vale o grande mote é o problema da comunicação entre o mundo externa à sua língua materna e dentro dela na mesma medida.
Há a família de norte-americanos ricos, mas com o casamento em crise; a família de mexicanos, hostilizada pelos norte-americanos e entre si; a família marroquina, presa a suas tradições e limitações de uma vida isolada; e a família de japoneses, que entre seus integrantes possui uma adolescente surda-muda. Apesar de todas diferenças culturais e idiomáticas, o que o filme procura transparecer é a forma mais básica do ser humano. O intuito é o de dar aos personagens uma maior humanidade para que, mesmo alguém que não entenda nenhuma das cinco línguas trabalhadas no filme, consiga captar a transcendência de culturas, os valores morais tratados são os mais claros possíveis.

Nas palavras do próprio Arriaga, "se há algo que a globalização nos deixou ver é que nós, seres humanos, temos valores muito básicos". Dito e feito: amor; morte, medo, solidão, arrependimento, coincidências, acaso, vazio...de fato, é possível construir a mesmíssima história dentro dos mesmos plantéis culturais, apenas trocando a situação de cada um da trama, e o valor humano se faz presente na condição do único ser vivo consciente que procura justificar sua própria reação instintiva.
A narrativa pode já não causar tanto impacto, mas foi construída com exímio esmero (timing e encaixe perfeitos na sincronia com a trilha sonora); os dilemas envolvidos podem não ser tão inovadores (afinal, ser humano é sempre ser humano), mas não há como não perceber como eles se constroem e se interdependem hoje como nunca antes na história da humanidade. Bem, talvez essa seja a intenção por trás do filme, afinal, está tudo aí, na cara e na pele de todo mundo, o homem não deixa de ser um só, apenas não dialoga e não compreende quem é capaz de reconhecer sua própria condição.

Babel
EUA/México, 2006
Direção: Alejandro González Iñárritu Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, Rinko Kikuchi e Mohamed Akhzam Duração: 142 min.

12.1.07

Naquele dia ele escolheu entrar no Blog sala de projeção...

Amanda Demetrio

Começou a ler uma resenha sobre um filme qualquer, com a cabeça cheia de coisas do trabalho. Ele sabia que estava só passando o olho naquelas letras, tinha visto aquela menina que mexia com seu coração...

Esta é a idéia simples e genial do filme “Mais estranho que a ficção”. Harold Crick (Will Ferrell) é o confuso protagonista, neste estado porque descobre que é o personagem principal de um livro que está sendo escrito.

Harold ouve sua história ser contada por “sua autora”, Karen Eiffel (Emma Thompson). Ele consegue ignorar aquilo até ouvir “mal sabia ele...”, numa narração sobre sua possível morte.

Desesperado, Harold procura ajuda psiquiátrica. Diagnosticado como “esquizofrênico”, ele decide pedir a ajuda de um especialista em literatura, o professor Jules Hilbert (Dustin Hoffman).

Jules vai dar um toque de comédia para a história - e o melhor, um humor inteligente no estilo “Gilmore Girls”. O romance fica a cargo da personagem Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal), que vai agir como questionadora das verdades estabelecidas por Crick em sua vida.

Num primeiro momento ninguém diz que Harold é capaz de amar uma mulher - ainda mais Ana - mas este filme não é nada do que parece “num primeiro momento”.

O nó que vai conduzir a trama é a busca pela vida (aquela bem vivida) de Crick, ao mesmo tempo que sua autora vive o dilema de não saber como “matá-lo”.

O roteiro é de Zach Helm, iniciante no mundo de Hollywood. Apesar de estar no
começo, sua história já está sendo colocada ao lado de grandes filmes como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004). Eles brincam com a verdade e a ilusão.

“Vi Mais Estranho Que A Ficção como a história de um homem que esteve adormecido na maior parte de sua vida e de repente acorda, percebe que lhe resta pouco tempo e que ele tem que fazer algo que todos nós gostaríamos de algum modo – mudar a nossa história”, diz o diretor Marc Foster, que se encantou com o fato do protagonista questionar o jeito que cada um de nós monta nossa realidade.

Um dos possíveis defeitos do filme é a tentativa de usar efeitos especiais: a história é grande, nunca havia sido contada, não cabia enfeitar demais, aquilo deveria simplesmente acontecer. Algumas histórias têm vida e graça própria.

Will Ferrell é um dos destaques do filme. Acostumado a fazer comédias, o ator mostrou sua capacidade fazendo um personagem insípido, que vai ganhando gosto pela vida – e pelos biscoitos de Ana – aos poucos. Segundo Ferrell “Existe algo em relação à solidão silenciosa de Harold e a maneira como ele pula fora dela para viver a sua vida pela primeira vez que ressoou forte em mim, pois também tenho aquele lado quieto e às vezes preciso do mesmo ímpeto de sair”. Ele não é só risadas...

O leitor leu aquilo e ficou um pouco curioso, conferiu a agenda, pensou “não vai dar esta semana, quem sabe semana que vem?”, fechou a janela do blog. Mas o que ele não conseguiu foi parar de ouvir o maldito narrador, falando tudo o que ele fazia...

Mais estranho que a ficção (Stranger than fiction).
EUA, 2006
Direção: Marc Foster. Elenco: Will Ferrell, Maggie Gyllenhaal, Dustin Hoffman, Emma Thompson, Queen Latifah. Duração: 113 min.

11.1.07

Fingindo ser o que já se é

Tatiane Klein

Antônio vai de ônibus, seu pai, de carro importado. O protagonista (Bernardo Marinho) do segundo filme de Flávio Tambellini, produtor de Carandiru e Cazuza, é filho de um banqueiro carioca, mas nega a todo custo a ótica de vida de seus pais (Giulia Gam e Antônio Calloni). Aos dezesseis anos, o garoto passa por muitos dos típicos conflitos que pautam o amalgama da identidade adolescente, como o uso de drogas, a escolha de uma profissão e os envolvimentos amorosos; No entanto, é só com a morte de seu pai que a busca inconsciente pela maturidade vai ser alavancada. As atuações são decentes, mas por vezes lembram as arquetípicas personagens de novelas globais, sendo este um dos pontos que tiram a valia da produção.


Na tentativa de abarcar o universal, o filme se prende a certos lugares comuns e, por pouco, muito pouco, é que se permite condizente com a idéia central que é a da crise existencial de Antônio. “O Passageiro – Segredos de Adulto” tenta montar o cenário para a discussão das contradições que permeiam a vida do adolescente Antônio, mas esteriliza toda construção por misturá-la a uma narrativa comum e novelesca, que poucas vezes resvala o tom reflexivo.

Misturadas ao suspense da investigação das causas da morte do pai, as angústias adolescentes de Antônio são contaminadas pelo superficial, quando podiam ser palco para a discussão mais intimista das incongruências entre os planos social, familiar e emocional do protagonista.

A relação entre a estabilidade sócio-econômica de sua família, carregada de futilidades materiais, e a miséria vivida pela população carente do Rio, gera no garoto um forte sentimento de indignação, que vai alimentar seu trabalho como professor voluntário e aproximá-lo das atividades realizadas por seus amigos em favelas. Este tema podia de alguma forma se aprofundar em implicações sociológicas de tom realista, mas não o faz por ficar confundido com um ambiente “à la Malhação”. O clima escolar e de festas, que poderia ser questionado em contraposição explícita à intenção “humanista” do adolescente, ficam num “por isso mesmo” mais que desleixado. Se a estratégia era confundir a ótica do espectador com a difusão dos caminhos do jovem, a coisa mais pareceu um acidente narrativo um pouco infeliz.

A própria aproximação com a figura do pai morto e o contato com o passado familiar (inclusive a misteriosa relação amorosa do pai com a fotógrafa interpretada por Carolina Ferraz), partes prementes do “calvário” rumo à vida adulta, permanecem em pratos rasos por partilharem um clima de aventura juvenil inocente. Só quando da descoberta da fragilidade psicológica da mãe e da irrelevância de sua oposição rebelde ao status social da família, é que tais os segredos de adulto vêm a campo.

Certezas deixadas de lado e aceitando o caminho das passagens, fica claro, finalmente, o mote do filme: o passageiro não é o jovem que se opõe ao tradicionalismo burguês, nem aquele que toma porres inconseqüentes, nem o que não sabe como lidar com uma amizade colorida, mas aquele que, sentado no ônibus nos primeiros segundos do filme, já conhecia a profissão madura, já experimentava a liberdade, mas não conhecia ainda a dor do parto das variantes da equação.

O filme termina com versos como “fingindo ser o que eu já sou” e “perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom”; que apresentam, nos últimos momentos o que o filme tentou desde o começo. Quase. Não era só o protagonista adolescente.

O Passageiro - Segredos de Adulto
Brasil, 2006
Direção: Flavio R. Tambellini Elenco: Bernardo Marinho), Antônio Calloni, Giulia Gam, Carolina Ferraz e Luiza Mariani Duração: 105 min.

5.1.07

Preciosa desgraça

Luiz Prado

"Diamantes de sangue" é o nome dado às pedras preciosas contrabandeadas para fora de países em guerra, e que, no final das contas, são usadas na aquisição de armas para a manutenção desses conflitos. Durante a década de 90, Serra Leoa, no oeste africano, passou por uma sangrenta batalha civil financiada pelos diamantes. Dentre os soldados do lado rebelde estavam milhares de crianças, arrancadas de suas vilas e famílias para servirem de infantaria nos campos africanos.


Solomon Vandy (Djimon Hounsou) é um pescador da etnia mende. Durante um ataque ao sue vilarejo, é separado de sua família e levado para trabalhar nos campos de diamante dos rebeldes. Lá, encontra uma pedra de tamanho extraordinário e, antes de ser capturado pelas forças do exército que atacam o acampamento, consegue esconder a preciosidade. Enquanto isso sua família foge dos conflitos, mas Dia (Kagiso Kuypers), seu filho mais velho, é capturado para integrar a tropa rebelde.

Ao mesmo tempo, Danny Archer (Leonardo DiCaprio), um contrabandista vindo da Rodésia (atual Zimbábue), é capturado durante uma tentativa de atravessar a fronteira. Na prisão, encontra Vandy e toma conhecimento do fantástico diamante, que lhe possibilitaria a saída da África para sempre. Aproximando-se de Solomon, Archer lhe oferece ajuda na busca da família em troca do diamante. Com a ajuda de Maddy Bowen (Jennifer Connelly), jornalista norte-americana que está cobrindo a situação em Serra Leoa, Archer e Vandy iniciam uma viagem pelo país em busca da família do pescador.

Diamante de Sangue nos apresenta uma história forte, um chamado de atenção para a catástrofe que tomou conta de Serra Leoa, financiada pela compra das jóias ao redor do globo. Mais do que retratar um caso específico, o filme pretende mostrar um exemplo do que ainda acontece em várias regiões do planeta, principalmente no continente africano. Existem atualmente cerca de 400 mil crianças-soldados no mundo e apesar de tratados internacionais relativos ao comércio de diamantes, estes ainda são moeda corrente na compra de armamentos em diversas zonas de conflito.

O filme dirigido por Edward Zwick (O Último Samurai) tem como grande mérito transmitir ao mesmo tempo a crueldade da situação ocorrida e oferecer ao espectador uma aventura envolvente. A cenas inicial do massacre da vila de Solomon é de extrema violência, daquelas que fazem o espectador questionar se aquilo mostrado na tela é pura ficção ou se é mesmo baseado na realidade, torcendo para que a resposta seja a primeira opção. O treinamento de Dia e das outras crianças capturadas pelos rebeldes é outro momento de grande impacto no filme.

O elenco realiza um trabalho muito bom, imprimindo alma aos personagens. DiCaprio interpreta com maestria Archer e os questionamentos de suas ações após o contato com Vandy e Maddy. Hounsou está perfeito como o pescador atirado de sua vida para a busca por sua família. Hesitante e perplexo diante do mundo novo e cruel que surge à sua frente, mas ao mesmo tempo obstinado na procura por seu filho. Connelly se apresenta cínica e idealista como a repórter viciada em adrenalina que busca uma grande história, fazendo o espectador questionar, assim como Archer, se ela não é igual a ele, lucrando sobre a desgraça africana. A densidade que o trio fornece ao filme serve de contraponto ao relato da tragédia de Serra Leoa, apresentando a busca pessoal de cada um dos personagens como a história individual de um massacre coletivo. Enquanto Archer busca o diamante de sua liberdade, Maddy quer uma boa história para mostrar ao mundo. Já Solomon está atrás do filho para reconstituir sua família. Três histórias distintas unidas por um drama que, em algum ponto, afeta a todos nós.


Diamante de Sangue (Blood Diamond)
EUA, 2006
Direção: Edward Zwick Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Connelly, Djimon Hounsou, Michael Sheene Kagiso Kuypers. Duração: 138min.