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Fingindo ser o que já se é

Tatiane Klein

Antônio vai de ônibus, seu pai, de carro importado. O protagonista (Bernardo Marinho) do segundo filme de Flávio Tambellini, produtor de Carandiru e Cazuza, é filho de um banqueiro carioca, mas nega a todo custo a ótica de vida de seus pais (Giulia Gam e Antônio Calloni). Aos dezesseis anos, o garoto passa por muitos dos típicos conflitos que pautam o amalgama da identidade adolescente, como o uso de drogas, a escolha de uma profissão e os envolvimentos amorosos; No entanto, é só com a morte de seu pai que a busca inconsciente pela maturidade vai ser alavancada. As atuações são decentes, mas por vezes lembram as arquetípicas personagens de novelas globais, sendo este um dos pontos que tiram a valia da produção.


Na tentativa de abarcar o universal, o filme se prende a certos lugares comuns e, por pouco, muito pouco, é que se permite condizente com a idéia central que é a da crise existencial de Antônio. “O Passageiro – Segredos de Adulto” tenta montar o cenário para a discussão das contradições que permeiam a vida do adolescente Antônio, mas esteriliza toda construção por misturá-la a uma narrativa comum e novelesca, que poucas vezes resvala o tom reflexivo.

Misturadas ao suspense da investigação das causas da morte do pai, as angústias adolescentes de Antônio são contaminadas pelo superficial, quando podiam ser palco para a discussão mais intimista das incongruências entre os planos social, familiar e emocional do protagonista.

A relação entre a estabilidade sócio-econômica de sua família, carregada de futilidades materiais, e a miséria vivida pela população carente do Rio, gera no garoto um forte sentimento de indignação, que vai alimentar seu trabalho como professor voluntário e aproximá-lo das atividades realizadas por seus amigos em favelas. Este tema podia de alguma forma se aprofundar em implicações sociológicas de tom realista, mas não o faz por ficar confundido com um ambiente “à la Malhação”. O clima escolar e de festas, que poderia ser questionado em contraposição explícita à intenção “humanista” do adolescente, ficam num “por isso mesmo” mais que desleixado. Se a estratégia era confundir a ótica do espectador com a difusão dos caminhos do jovem, a coisa mais pareceu um acidente narrativo um pouco infeliz.

A própria aproximação com a figura do pai morto e o contato com o passado familiar (inclusive a misteriosa relação amorosa do pai com a fotógrafa interpretada por Carolina Ferraz), partes prementes do “calvário” rumo à vida adulta, permanecem em pratos rasos por partilharem um clima de aventura juvenil inocente. Só quando da descoberta da fragilidade psicológica da mãe e da irrelevância de sua oposição rebelde ao status social da família, é que tais os segredos de adulto vêm a campo.

Certezas deixadas de lado e aceitando o caminho das passagens, fica claro, finalmente, o mote do filme: o passageiro não é o jovem que se opõe ao tradicionalismo burguês, nem aquele que toma porres inconseqüentes, nem o que não sabe como lidar com uma amizade colorida, mas aquele que, sentado no ônibus nos primeiros segundos do filme, já conhecia a profissão madura, já experimentava a liberdade, mas não conhecia ainda a dor do parto das variantes da equação.

O filme termina com versos como “fingindo ser o que eu já sou” e “perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom”; que apresentam, nos últimos momentos o que o filme tentou desde o começo. Quase. Não era só o protagonista adolescente.

O Passageiro - Segredos de Adulto
Brasil, 2006
Direção: Flavio R. Tambellini Elenco: Bernardo Marinho), Antônio Calloni, Giulia Gam, Carolina Ferraz e Luiza Mariani Duração: 105 min.