25.6.07

Um é pouco, dois é bom e três...

Tatiane Ribeiro




Vamos combinar uma coisa: a gente faz um filme. Pode ser romance, ação, comédia ou sobre amizade, e se ele der certo, a gente faz uma trilogia! O que você acha? Não e tão difícil, vai... Com tantas trilogias por aí, ninguém nem vai reparar que nós não estávamos preparados para isso. Usamos os mesmos personagens, damos um toque de “evolução” e pronto, está feito!

Treze Homens e Um Novo Segredo é um filme feito entre amigos sobre amigos. Mostra que a camaradagem existe inclusive no mundo do crime. No mesmo esquema hotel de luxo, cassino absurdamente caro, milhões de dólares e a vingança que Danny Ocean (George Clooney, de Boa Noite e Boa Sorte) tanto adora, esse filme não foge em nada dos outros dois, onde um grupo de amigos cria uma estratégia mirabolante para conseguir ganhar milhões em uma operação de roubo que sempre é melhor e a mais ousada que Las Vegas já viu.

A grande novidade, que, aliás, está nas entrelinhas, é um sentimento de nostalgia que os personagens passam no decorrer do filme. Lembranças de uma Las Vegas que já não existem mais, de como começaram ou de como se conheceram, pincelam o filme de forma sutil com um sentimento de amizade diferente dos outros. Enquanto nos outros dois os amigos eram amigos ali, em Treze Homens, eles se mostram com um laço muito mais forte.

Além disso, não há como não dar os créditos de uma atuação mais uma vez brilhante de Al Pacino, que torna seu personagem, Willie Bank, “vilão estereotipado” (homem rico e sem escrúpulos, que só liga para sua fortuna) em um homem forte, cheio de pequenos truques e com um quê de comédia. Ele é a “bola da vez” no mundo de vingança dos onze amigos, que acham que ele deve pagar por ter passado Reuben (Elliot Gould) para trás em uma parceria para construção de um grande Cassino, e, por conta disso, ter ficado extremamente doente.

Não será fácil, mas como o desafio parece ser um dos combustíveis desses heróis às avessas, a questão da falta de dinheiro para financiar o grande plano em ação (Reuben era o mentor financeiro da turma) será resolvida com uma idéia de Linus (Matt Damon – Os Infiltrados): chamar Terry Benedict (Andy Garcia – Confidence) para entrar com a parte financeira. Vale lembrar que ele foi o rival dos amigos nos dois primeiros filmes, mas como não há fidelidade entre inimigos, o importante é destruir Bank.

A dupla sempre fascinante Danny e Rusty (Brad Pitt – Seven), seja pela beleza, seja pelo glamour, provou mais uma vez que não é mais uma dupla de rostinhos bonitos, em atuação convincente e até acima das expectativas para uma trilogia que, aparentemente, não tinha mais o que mostrar.

Sem uma personagem feminina forte, já que nem Julia Roberts nem Catherine Zeta-Jones aparecem, o romance fica apenas nas piadinhas entre os dois protagonistas (Danny e Rusty) de que eles realmente não têm sorte no amor (com direito a lagriminhas e Oprah).

Um é pouco. Dois é bom. Três é camaradagem. “Nós estávamos praticamente terminando o segundo filme, e eu pensei que seria muito divertido voltar a Las Vegas para um próximo filme. Em grande parte, Treze Homens aconteceu porque todos estavam querendo voltar a trabalhar junto de novo. Mas isso só aconteceria se fossem realmente ‘todos’ ou senão não iria acontecer – todos voltariam ou ninguém voltaria”, relatou Soderbergh.

E o trabalho de união é realmente a marca desse filme, já que foi criado até um clube para que, quando não estivessem em gravações, os atores e a equipe ficassem unidos. Esse clube foi apelidado carinhosamente de “The Ocean’s Club”.

Tentando achar uma palavra para acabar com as repetições, percebi que não há outra que descreva tão bem o clima que transborda na tela: camaradagem. O resultado? Apesar de ser realmente um filme para entretenimento fácil e apesar de não ser muito diferente dos outros dois, o filme nos faz querer sair e abraçar um amigo. E nos faz lembrar não dos momentos bonitinhos, cheios de clichês, mas sim daqueles que fazem parte da vida real e que realmente nos fazem olhar pra pessoa ao lado e chamar de amigo.

Quem disse que só podem ser amigos verdadeiros os heróis certinhos e “clichezentos”?

Treze Homens e Um Novo Segredo (Ocean’s Thirteen)
EUA (2007)
Direção: Steven Soderbergh

Elenco: George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Andy Garcia e Al Pacino Duração: 122 min.

20.6.07

Verde é a cor de dinheiro, verde é a cor da sorte

Rafael Teixeira

Lá vou eu de novo falar sobre mais um número três que sai esse ano nas grandes telonas. Mas dessa vez não falo de piratas, e sim do ogro mais querido do cinema... Se é que há outro ogro para oferecer algum tipo de competição.


Shrek Terceiro é a terceira (óbvio) investida do nosso debochado, para não dizer extremamente mal-educado e ranzinza amigo verde. Investida que já mostra resultados tão vultuosos quanto seus predecessores. Até agora a DreamWorks já engordou seu cofrinho com 281 milhôes de dólares só nos EUA.

Nesse terceiro episódio o rei Harold morre, e resta a Shrek (na voz de Mike Myers) e Fiona (Cameron Diaz) o dever de assumir o poder do reino de Tão Tão Distante. Só que o ogro não é do tipo que se encaixa nesse novo cargo, e assim sai em busca do próximo na linhagem real: Arthur, ou Artie (Justin Timberlake), que não passa de um perdedor adolescente nos padrões americanos (o famoso loser).

Enquanto Shrek parte em sua procura acompanhado de seus fiéis companheiros, o Burro Falante (Eddie Murphy) e o Gato de Botas (Antonio Banderas), o Príncipe Encatado (Rupert Everett) tenta tomar o reino com uma invasão de todos os vilões de contos de fadas. Eu sei, muitos nomes famosos dublando os personagens, todos já bem conhecidos. Sem falar das participações de Julie Andrews como a mãe de Fiona e John Cleese e Eric Idle, do Monty Python como o Rei Harold e Merlin respectivamente.

Sim, é um Três. Mas não é nem de perto decepcionante como outros que levam esse número. A animação é muito divertida e arranca gargalhadas facilmente, como quando é mostrada a escola de Artie, como um típico high school... só que medieval, incluindo gírias adaptadas para o inglês arcaico. Ou então, a resistência ao ataque do Príncipe Encantado, feita pelas princesas Cinderela, Branca de Neve, Rapunzel, Bela Adormecida e uma das irmãs feias, sob o comando de Fiona. Vale mencionar que a Bela Adormecida é um show garantido, com seus ataques de narcolepsia.

A turma de coadjuvantes dos filmes anteriores também volta para garantir maior parte da diversão: Pinóquio, os três porquinhos, os três ratinhos cegos, o Lobo Mau e o Homem Biscoito (outro que sempre rouba a cena quando aparece). O trabalho impressionante dos animadores da DreamWorks também continua impecável e é responsável pela perfeição do longa, ou seja, a boa atuação de todas as personagens.

Diversão garantida, mas a graça realmente está nos coadjuvantes e em todas sátiras feitas ao mundo das fábulas e dos contos de fadas. Justin Timberlake, único grande calouro nas dublagens, também mostra sua voz, dessa vez sem cantar, daria o mesmo se fosse a voz de um desconhecido. E o personagem Artie é daqueles bem enfadonhos. E para os pais desavisados, não deixem se enganar apenas porque estamos falando de uma animação. Shrek realmente foi feito para adultos, e provavelmente muitas de suas piadas vão passar despercebidas pelos pequenos que comparecerem a uma de suas seções.

O verdão, então, chega ao seu terceiro filme quebrando a maldição do número. Não por ser um filme excepcionalmente inovador, mas por manter a graça e originalidade dos aspectos que lhe tornaram uma franquia de sucesso, dando à cor verde significado de bons auspícios... E de muitos lucros também.

Shrek Terceiro (Shrek the Third)

EUA, 2007

Direção: Chris Miller, Raman Hui Elenco (vozes): Mike Myers, Cameron Diaz, Eddie Murphy, Antonio Banderas, Julie Andrews e Rupert Everett.
Duração: 93 min.

Além de véus e orações


Cris Sinatura

Qual é a idéia que se faz da Turquia? Imagina-se mulheres escondidas dos pés à cabeça embaixo de véus, homens ajoelhados em direção a Meca fazendo suas orações diárias e outros aspectos dessa cultura que nós, ocidentais, atribuímos a todo o mundo islâmico sem nenhuma distinção?


O documentário “Atravessando a Ponte: o Som de Istambul” vem justamente para desfazer esses preconceitos ocidentais, escancarando uma outra realidade da Turquia, muito mais viva, pulsante e principalmente sonora.
Alexander Hacke, da banda alemã Einstürzende Neubauten, vasculha todos os cantos da capital turca em busca das diversas nuances da música local, sob a direção de Faith Akin (do celebrado Contra a Parede).


A saga começa com a mistura de jazz, rock e sons orientais da banda neo-psicodélica Baba Zula, passa pela combinação de música eletrônica com elementos turcos da banda Orient Expressions, cruza com a influência punk e grunge no tradicional rock turco da banda Duman e experimenta o hip-hop engajado do rapper Ceza. Também retrata a arte de rua, com o breakdance anti-drogas do grupo Istanbul Style Breakers e o violão-e-voz à la Bob Dylan de Siyasiyabend. Explora a fusão da música com a dança feita pelo músico Mercan Dede, que entrelaça ritmos eletrônicos com a tradicional música sufi e exótica dança dervish. Destaca a importância dos grandes ídolos da música turca, como o pioneiro do rock Erkin Koray, o Elvis arabesco Orhan Gencebay e a aclamada dona da “voz de Istambul” Sezen Aksu.


A música turca é exótica e única, marcada pelo uso de instrumentos típicos, como o “saz” e o “ney”, e pela sonoridade do idioma turco. Entretanto há muitas semelhanças com a música ocidental, não por se expor a influências da mesma, mas por tratar em suas letras de assuntos tipicamente humanos. O sentimentalismo e o engajamento político-social definitivamente independem da convenção que divide o mundo em Oriente e Ocidente.

O documentário consegue, de forma bastante sinestésica, mostrar resultados positivos do contraste entre esses dois lados do globo, cujas divergências não poderiam encontrar lugar melhor que a música para se conciliar. Em uma hora e meia de cenas extremamente cativantes, tanto pelo aspecto visual como pelo sonoro, somos levados para além da ponte, onde há um mundo tão diferente daquele em que vivemos e que transborda uma cultura, no mínimo, intrigante.

“Atravessando a ponte” vai além de estereótipos e nos mostra que a Turquia é mais que mulheres de véus e orações constantes. Cenário melhor que Istambul para essa quebra de paradigmas não poderia haver – como a banda Baba Zula canta em uma de suas músicas, “essa cidade suga seu sangue, mas vale a pena morrer por ela”. O país, tido pelo Ocidente como foco de tensão geopolítica, também abriga uma incrível diversidade de pessoas que buscam expressar suas dores, suas idéias, seus amores, suas utopias, suas reivindicações e seus engajamentos através da mais universal de todas as línguas: a música.

Atravessando a Ponte: O Som de Istambul (Crossing the Bridge: The Sound of Istanbul)

Alemanha/Turquia, 2005

Direção: Faith Akin Elenco: Alexander Hacke, Baba Zula, Orient Expressions, Duman e Erkin Koray Duração: 90 min.

5.6.07

Não resolvido

Bruno Benevides

O tema do serial killer é explorado pelo cinema há muito tempo. Clássicos como M, o Vampiro de Dusseldorf, de Fritz Lang e Zaroff, o Caçador de Vidas, de Irving Pichel e E. B. Schoedsack, inauguraram este subgênero do suspense na longínqua década de 30. Desde então muitos já voltaram ao assunto, mas ele andava meio morto (sem trocadilhos) até que Bryan Singer, com Os Suspeitos, e David Fincher, com Se7en, o trouxeram de volta em meados dos anos 90. Era grande, portanto, a expectativa para Zodíaco, que marca a volta de Fincher ao universo desses assassinos.

O filme se baseia na história real do serial killer Zodíaco, que entre o fim da década de 60 e o começo da década de 80 assustou São Francisco, matando de 5 a 12 pessoas (a policia não sabe quantas foram as vitimas) e mandando cartas com charadas para os jornais. O caso não foi resolvido até hoje. Como fonte, foi utilizado o livro homônimo de Robert Graysmith, um dos participantes da investigação.

Assim não é de se estranhar que Graysmith se torne o protagonista do filme, interpretado por Jake Gyllenhaal. Cartunista do San Francisco Chronicle, ele é um anti herói no melhor estilo Peter Parker, tímido, atrapalhado e sem sorte com mulheres. Logo que a primeira carta do assassino chega à redação ele passa a fazer uma investigação independente, auxiliando o jornalista drogado Paul Avery (Robert Downey Jr.), que cuida do caso. É só enquanto ele está em cena, aliás, que o filme funciona. Os dois são obrigados a se relacionar ainda com a dupla de detetives Dave Toschi (Mark Ruffalo), o brigão, e Bill Armstrong (Anthony Edwards), o sério, que conduzem as investigações.

O elenco se completa com Brian Cox como o advogado estrela Melvin Belli, que serve como alívio cômico no pouco tempo em cena, e Chloë Sevigny como o dispensável interesse amoroso de Graysmith. Merecem destaque ainda dois suspeitos de serem o assassino. Primeiro John Carroll Lynch, que faz o misterioso Arthur Leigh Allen, o principal candidato a ser o Zodíaco. O outro é John Ennis, que como Terry Pascoe protagoniza, em sua única aparição, a melhor cena do filme.


Como é comum nas obras de Fincher, a parte técnica é bem realizada. A fotografia é segura e sem excessos. Figurino e direção de artes seguem pelo mesmo caminho, conseguindo criar uma São Francisco de quarenta anos atrás sem os costumeiros exageros. A cidade é real, acinzentada e misteriosa como toda grande metrópole. Mas o ponto alto é a trilha sonora, cheia de rocks daquele período que dão o clima certo para o filme. Pena que isso seja a única coisa que você vai se lembrar ao sair do cinema.

A história é dividida em duas partes. De um lado há a investigação sobre o assassino, conduzida como suspense. Do outro há um thriller psicológico que tenta entender a relação paranóica de Graysmith pelo caso. O problema é que os dois falham. O suspense não empolga. O Zodíaco mata enquanto quer e então para. Os policias investigam, investigam, não descobrem nada e desistem. Só Graysmith ainda persegue a história, mas no fim chega a conclusão que todos já tinham chegado. Já a tentativa de explicá-lo é rasa, já que apenas é mostrada sua obsessão pelo assassino, sem tentar entendê-la. No fim o filme cansa e não explica seu longo tempo de quase três horas.

Zodíaco é assim um filme bem feito tecnicamente, mas rapidamente esquecível. Não foi dessa vez que Fincher voltou à forma de Se7en e Clube da Luta. Quem sabe na próxima.

Zodíaco (Zodiac)
EUA (2007)
Direção: David Fincher Elenco:Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr., Anthony Edwards e Chloë Sevigny Duração: 168 min.

Uma "cigana" a solta

Tatiane Ribeiro


Até onde um amor não correspondido pode acabar com a vida de uma pessoa? Mesmo com a solidão, será que alguém estaria disposto a largar sua vida e ficar andando sem nenhum destino pelas ruas, passando fome e frio, apenas porque se sente triste?

Difícil de acreditar que exista alguém como Zingarina. Depois de ser abandonada pelo namorado na França e ser rejeitada por ele na Transilvânia (ela vai até lá para reencontrá-lo, supondo que ele havia sido deportado), ela foge da amiga Marie (Amira Casar) e fica perambulando pelas estradas da Transilvânia como uma criança de rua, comendo o que lhe dão e dormindo em qualquer lugar, sem nenhuma perspectiva. O que torna a trama ainda mais irreal é o fato de Zangarina estar g
rávida e nem ao menos se lembrar disso na hora de cometer a sua loucura.

A fascinação do diretor argelino Tony Gatlif pela cultura cigana talvez tenha sido o seu maior erro. Na tentativa de misturar a história da jovem Zingarina (Asia Argento, numa atuação incrível) com o povo cigano da Transilvânia, acaba não conseguindo seguir nem para um lado nem para o outro, fazendo um filme confuso e sem profundidade.

Na continuidade da história, Zingarina reencontra Tchangalo (Birol Ünel), um vendedor de ouro e outras coisas que compra de pessoas humildes, que ela conhecera em um bar enquanto procurava por Milan (Marco Castoldi), seu namorado. Tchangalo, após uma cena completamente maluca, em que ele a vê vestida de cigana e começa a rir loucamente, passa a levá-la consigo. Ele mora em seu carro, e dorme e come na rua, pagando hotel apenas para se lavar.


O filme, aparentemente, é uma tentativa de
misturar um problema social (o preconceito da sociedade em relação aos ciganos) com um romance fora dos padrões. Cenas de sexo e diálogos cheios de ódio cultural tentam chocar o espectador, mas só conseguem ser mais um fio solto dessa trama sem nenhuma conexão com qualquer coisa.

Tchangalo e Zingarina são as peças principais desse romance em que aparência, posses e sanidade mental são as últimas coisas que importam. Quando se está só, qualquer coisa parece ser melhor que nada. Os opostos, nesse caso, não se atraem, pel
o contrário, já que são dois malucos juntos numa jornada sem nexo.

Há que se dar, apesar de todos os defeitos do longa, os devidos créditos à trilha sonora, que foi, sem dúvidas, um espetáculo a parte (definitivamente merecedora do prêmio Cannes de Melhor Música de 2006). A música regional romena torna o filme mais interessante e cheio de alegria. No decorrer da trama, é a música que dá um ritmo mais acelerado, deixando o espectador com o pensamento tão alucinado quanto o da protagonista.

No fim, é fácil entender porque Milan fugiu tão bruscamente de Zingarina. Ninguém conseguiria casar com alguém como ela. Neurótica, maluca, impulsiva e sem o menor amor próprio. Ninguém, só Tchangalo, um personagem que confunde liberdade com insanidade.



Transylvania (Transylvania)
França, 2006
Direção: Tony Gatlif
Elenco: Asia Argento, Amira Casar e Birol Ünel
Duração: 103
min