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Além de véus e orações


Cris Sinatura

Qual é a idéia que se faz da Turquia? Imagina-se mulheres escondidas dos pés à cabeça embaixo de véus, homens ajoelhados em direção a Meca fazendo suas orações diárias e outros aspectos dessa cultura que nós, ocidentais, atribuímos a todo o mundo islâmico sem nenhuma distinção?


O documentário “Atravessando a Ponte: o Som de Istambul” vem justamente para desfazer esses preconceitos ocidentais, escancarando uma outra realidade da Turquia, muito mais viva, pulsante e principalmente sonora.
Alexander Hacke, da banda alemã Einstürzende Neubauten, vasculha todos os cantos da capital turca em busca das diversas nuances da música local, sob a direção de Faith Akin (do celebrado Contra a Parede).


A saga começa com a mistura de jazz, rock e sons orientais da banda neo-psicodélica Baba Zula, passa pela combinação de música eletrônica com elementos turcos da banda Orient Expressions, cruza com a influência punk e grunge no tradicional rock turco da banda Duman e experimenta o hip-hop engajado do rapper Ceza. Também retrata a arte de rua, com o breakdance anti-drogas do grupo Istanbul Style Breakers e o violão-e-voz à la Bob Dylan de Siyasiyabend. Explora a fusão da música com a dança feita pelo músico Mercan Dede, que entrelaça ritmos eletrônicos com a tradicional música sufi e exótica dança dervish. Destaca a importância dos grandes ídolos da música turca, como o pioneiro do rock Erkin Koray, o Elvis arabesco Orhan Gencebay e a aclamada dona da “voz de Istambul” Sezen Aksu.


A música turca é exótica e única, marcada pelo uso de instrumentos típicos, como o “saz” e o “ney”, e pela sonoridade do idioma turco. Entretanto há muitas semelhanças com a música ocidental, não por se expor a influências da mesma, mas por tratar em suas letras de assuntos tipicamente humanos. O sentimentalismo e o engajamento político-social definitivamente independem da convenção que divide o mundo em Oriente e Ocidente.

O documentário consegue, de forma bastante sinestésica, mostrar resultados positivos do contraste entre esses dois lados do globo, cujas divergências não poderiam encontrar lugar melhor que a música para se conciliar. Em uma hora e meia de cenas extremamente cativantes, tanto pelo aspecto visual como pelo sonoro, somos levados para além da ponte, onde há um mundo tão diferente daquele em que vivemos e que transborda uma cultura, no mínimo, intrigante.

“Atravessando a ponte” vai além de estereótipos e nos mostra que a Turquia é mais que mulheres de véus e orações constantes. Cenário melhor que Istambul para essa quebra de paradigmas não poderia haver – como a banda Baba Zula canta em uma de suas músicas, “essa cidade suga seu sangue, mas vale a pena morrer por ela”. O país, tido pelo Ocidente como foco de tensão geopolítica, também abriga uma incrível diversidade de pessoas que buscam expressar suas dores, suas idéias, seus amores, suas utopias, suas reivindicações e seus engajamentos através da mais universal de todas as línguas: a música.

Atravessando a Ponte: O Som de Istambul (Crossing the Bridge: The Sound of Istanbul)

Alemanha/Turquia, 2005

Direção: Faith Akin Elenco: Alexander Hacke, Baba Zula, Orient Expressions, Duman e Erkin Koray Duração: 90 min.