27.7.07

Ex é tudo igual

Bruno Benevides

As comédias românticas são um dos gêneros mais populares de Hollywood. Basta encontrar um casal de atores divertidos e com boa química, introduzir algum empecilho no amor, de preferência algo relacionado à família ou um(a) ex-namorado(a), e pronto. Se tudo der certo o filme pode até ser o novo Uma Linda Mulher ou Um Lugar Chamado Nothing Hill, e assim virar símbolo da sessão da tarde. É claro que há também bons filmes baseados no tema, como O Amor Custa Caro ou Entrando Numa Fria, para ficar em dois exemplos recentes. mas são exceções que, se depender desse O Ex-namorado da Minha Mulher, vão continuar raras.

Como o (péssimo) título em português já adianta, a história gira em torno da disputa entre o atual e o ex-amante de uma mulher para saber quem vai ficar com ela. Zach Braff interpreta Tom Reilly, o marido imaturo. Amanda Peet faz sua mulher, Sofia Kowalski, responsável e bem sucedida até que abre mão disso tudo para virar uma dona de casa. Quando Tom é despedido de seu emprego no dia do nascimento do filho, o casal resolve deixar Nova York e aceitar a proposta do pai de Sofia, que arranja para o genro um trabalho na agencia de publicidade na qual trabalha, no meio-oeste americano. Lá, porém, o casal encontrará Chip Sanders (Jason Bateman), o ex-namorado do título, que fará de tudo para reconquistar sua amada.

O elenco é capitaneado por atores de séries cômicas da televisão. Braff é a estrela de Scrubs, Bateman era o grande nome da finada Arrested Development e Peet participa de Studio 60 on the Sunset Strip. As pontas de Paul Rudd, de Friends, e de Donal Logue, de Grounded for Life, apenas evidenciam o aspecto televisivo. Parece até que o filme foi feito para ser exibido diretamente nas sessões da tarde, não nos cinemas! No campo das atuações, Peet é apenas burocrática e Braff se limita as caras e bocas de sempre (o que não é ruim, mas está longe de segurar o filme). Bateman até faz bom trabalho, mas a falta de nexo de seu personagem acaba por prejudicá-lo. Completam o filme ainda Charles Grodin e Mia Farrow, como os pais de Sofia, e Lucian Maisel, como o engraçado garoto Wesley. Todos corretos, mas não mais que isso.

O diretor Jesse Peretz até já havia demonstrado talento para fazer rir ao dirigir os hilários clipes de Big Me e Learn to Fly, ambos da banda Foo Fighters, mas aqui escorrega um pouco. Apesar de alguns momentos engraçados, o filme é burocrático no todo. Diretor, equipe técnica e elenco apenas seguiram a fórmula das comedias românticas, sem acrescentar nada de original ou criativo. O roteiro, que não tem nem sentido nem lógica, acaba por piorar o resultado. No fim até se pode dar algumas risadas, mas é melhor guardar seu dinheiro e esperar até que o filme apareça na televisão.

O Ex-namorado da Minha Mulher (The Ex / Fast Track)
EUA, 2006
Direção: Jesse Peretz Elenco: Zach Braff, Amanda Peet, Jason Bateman, Charles Grodin e Mia Farrow. Duração: 90 min.

Em busca (do sentido) da vida

Rafael Benaque

É no vale do rio Yangtze que se passa o filme “Em busca da Vida”. Nesse vale, inundado por causa da construção da hidrelétrica de Três Gargantas, se cruzam (de forma quase imperceptível) as histórias de Han Sinming, que trabalha nas minas de carvão, uma importante fonte de energia na China, e da enfermeira Shen Hong. Cada um busca nesse lugar, agora praticamente abandonado, seu passado e uma forma de seguir em frente.

Han Sinming, separado de sua mulher e sua filha há 16 anos, quer reencontrá-las. Para isso, abandona seu trabalho nas minas e migra para a cidade de Fengjie, onde vivia a família de sua mulher. Porém a cidade estava submersa. Depois de passar por diversos lugares, o homem encontra parte da família de sua ex-esposa e, para esperá-la, passa a trabalhar em uma empresa de demolições. Enquanto isso, Shen Hong tenta localizar seu marido, que partira há mais de 2 anos e trabalhava na região de Fengjie.

Quando cheguei ao Reserva Cultural para a pré-estréia de “Em Busca da Vida” encontrei o crítico Sérgio de Oliveira, que me disse: “Venho assistir esse filme de pé atrás. Já vi outras coisas desse diretor (Jia Zhang-Ke) e não gostei. É muito lento”. De fato, ele tinha razão: o filme é muito lento. Os diálogos são arrastados, com muitas pausas entre as falas. Em diversos momentos a câmera mostra uma paisagem estática e silenciosa sem que nada aconteça. A trilha sonora é ausente e pontual. Porém, nessa aparente falta de elementos e sons é que está o retrato da China rural: uma vida pacata, vazia, pobre, incerta.


Já no final do filme, Han e seus companheiros de demolição falam das condições de trabalho e dos riscos que correm para viver da forma que vivem. Além disso, a própria história das protagonistas mostra como é difícil a vida das pessoas que estão fora do círculo de Pequim. Porém, apesar dessa intenção de retratar a situação de uma porção quase feudal da China, o filme vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2006, é excessivamente lento e, para aqueles menos acostumados com o cinema oriental, cansativo.
Mas vale destacar o final: a última imagem que aparece na tela antes dos créditos finais resume com maestria o filme, as buscas, a vida.

“Em Busca da Vida” é um filme pouco acessível para a maioria dos espectadores brasileiros, acostumados com o padrão americano de cinema, mas merece ser assistido por aqueles que gostam de filmes que têm como objetivo algo além de entreter.

Em Busca da Vida (Sanxia haoren)
China, 2006
Direção: Jia Zhang-Ke Elenco: Han Sanming e Zhao Tao Duração: 107 min.

24.7.07

"Transformar e rodar!"

Rafael Teixeira

Carros, mulheres bonitas, robôs gigantes e muita ação, com direito a explosões e destruição até onde a vista alcança. É o sonho de qualquer marmanjo nerd que esqueceu de entrar na era da metrossexualidade... ou é também apenas o filme Transformers.

Depois de destruírem seu planeta natal em uma guerra, seres remanescentes de uma raça robótica dividida em Autobots (os bonzinhos) e Decepticons (os malvados), chegam a Terra em busca de um cubo com poderes inimagináveis e que pode decidir de uma vez por todas o fim dessa batalha inacabada. Para se camuflarem e não chamarem a atenção dos humanos, esses seres acabam tomando a forma de veículos, seja ele um caminhão, um carro esporte ou um tanque de guerra, e começam assim sua busca pelo artefato, que acaba envolvendo a vida do jovem Sam Witwicky, cujo avô foi o descobridor do primeiro desses robôs, no Círculo Ártico.


E aí que entra a ação, na batalha entre Autobots e Decepticons, com e as impressionantes transformações de robô para veículo e vice-versa, coisa de deixar qualquer um espantado com a qualidade de detalhes. Com certeza Michael Bay, diretor também de Armaggeddon (com direito a referência durante o filme) e Pearl Harbor, se dedicou com afinco em cada uma das mudanças, o que torna cada take uma diversão à parte. As cenas feitas em câmera lenta também servem para aumentar a adrenalina de qualquer um. E engana-se quem acha que Optimus Prime, líder dos Autobots. Quem ganha todos com seu carisma é o Camaro amarelo, Bumblebee, o robô designado para cuidar de Sam.

Na parte humana do filme, vemos vários nomes desconhecidos, com destaque para a atuação dedicada e cômica de Shia LeBouf como Sam. Ainda completam o elenco duas belíssimas espécimes da raça humana: Megan Fox (em uma atuação digna de Jessica Alba em Quarteto Fantático), como a entendida em carros Mikaela, e Rachael Taylor, como a cdf Maggie.

Em todo o longa, Bay conseguiu dosar bem comédia (risadas garantidas com os pais de Sam, e os Autobots tentando se esconder no jardim da casa dele) e ação, que toma conta praticamente de todo o final do filme, o que não é pouco, considerando seus 144 minutos de duração. Muita explosão, tiro, míssil, e um final bem “desenho animado” mesmo, com uma conhecida amizade homem/robô. Mas não dá pra se esperar muita profundidade de um filme desse tipo. A diversão, porém, é certa, e vai agradar muito mais do que outros blockbusters que saíram esse ano.

Transformers (Transformers)
EUA, 2007
Direção: Michael Bay Elenco: Shia LaBeouf, Megan Fox, Josh Duhamel, Rachael Taylor, Tyrese Gibson, Anthony Anderson, Jon Voight. Duração: 144 min
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Como (não) fazer um filme

Saulo Yassuda

Narrações em off, mais protagonista masculino, jovem, inteligente e tímido que faz de tudo para conquistar a mulher amada. Esse esquema, tão consagrado nos longas do diretor Jorge Furtado, não lembra em nada Saneamento Básico, seu novo filme.

Furtado sai dos offs shakespearianos e bebe da comédia dell’arte nesse seu novo longa, principalmente no que se diz respeito à construção das personagens. Elas conseguem se encaixar nos “tipos” do teatro italiano e montar uma das comédias brasileiras mais engraçadas dos últimos anos.

Antes de o filme começar propriamente, ouve-se a característica voz de Fernanda Torres ressoando pela sala, reclamando (o que em muito lembra sua personagem de Os Normais): “Vamos começar, então? Melhor começar... Posso começar?”. A falação de Fernanda apenas cessa quando o longa se inicia, com a imagem de uma bucólica vila no interior do Rio Grande do Sul.

Lá, a comissão de moradores discute sobre um sério problema no esgoto. Eles precisam de verba para fazer uma obra que tape o fosso e acabe com o mau-cheiro da comunidade.

Marina (Torres), mulher ativa e politicamente incorreta, vai com seu marido Joaquim (Wagner Moura), à prefeitura pedir verba para a obra. O único dinheiro que a prefeitura possui, porém, são 10 mil reais destinados à produção de um curta-metragem que teve seu projeto abandonado.

A secretária insiste em que Marina pegue a quantia, principalmente para que o dinheiro “não volte à Brasília”. Marina acaba aceitando. Pega os 10 mil reais para produção do filme – com a intenção, claro, de usar a maior parte da verba na obra do esgoto.


Junto do marido, da irmã Silene (Camila Pitanga) e do cunhado Fabrício (Bruno Garcia), inicia então a produção do vídeo. Depois de uma série de embaraços, o filme produzido por eles se torna um filme “de monstro” (“O monstro do fosso”), com uma produção bastante confusa, precária e cheia de deliciosas discussões entre seus realizadores.
Com o correr do tempo, eles se envolvem tanto no vídeo – contando com a ajuda do hilário personagem de Lázaro Ramos – erram, aprendem, se empenham e acabam gastando bem mais do que imaginavam. Numa discussão metalingüística, Furtado faz referência, com muito bom humor, à precariedade muitas vezes presente no cinema brasileiro.

Com diálogos realistas e bem construídos, que falam bastante do cotidiano, e piadas que se distribuem pelo filme todo, o diretor consegue fazer um longa muito bem amarrado, e tem o poder de entremear, junto com toda a comédia, toques melancólicos. As deliciosas discussões entre o casal Marina-Joaquim e entre os amigos italianos Otaviano (Paulo José), pai de Marina, e Antônio (Tonico Pereira), vão do hilário ao sentimental, numa espécie de mistura de amor e ódio.

E talvez uma relação de amor e ódio pela arte – e, em particular, pelo cinema – é como pode ser definido todo o Saneamento Básico.

Saneamento Básico, O Filme
Brasil, 2007
Direção: Jorge Furtado Elenco: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Paulo José e Tonico Pereira. Duração: 112 min
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16.7.07

Bruxaria de gente grande

Bruno Benevides

Adaptações de best sellers infanto-juvenis viraram mania. A grande vendagem dos livros atrai um bom número de fãs, garantindo o lucro no cinema. Essa febre começou no fim de 2001 quando, separados por poucos meses, chegaram às telas a parte inicial das adaptações de Senhor dos Anéis e de Harry Potter. A primeira se encerrou em três capítulos e foi um sucesso com 17 Oscars na bagagem. Já a série sobre o bruxinho vem tendo resultados um pouco menos extraordinários, e chega agora a seu quinto longa, Harry Potter e a Ordem da Fênix.

Só para relembrar. Escrita pela escocesa J.K.Rowling, cada livro conta um dos sete anos que o garoto bruxo Harry Potter passa na escola de magia de Hogwarts. No filme anterior o vilão Voldemort, que assassinou os pais de Harry quando este ainda era bebê, conseguiu enfim recuperar seu corpo e matou um colega do garoto. Para piorar Alvo Dumbledore, diretor de Hogwarts e mestre de Harry, e Cornélio Fudge, ministro da Magia, brigaram, pois o segundo se recusa a admitir a volta do vilão.

Não é nada bom, assim, a situação do garoto no começo deste quinto filme. Além de lutar contra Voldemort, Harry e seus aliados ainda têm que enfrentar o poderoso ministério da Magia, que passa a perseguir os que defendem que o vilão retornou. Por isso Dumbledore cria a tal Ordem da Fênix do titulo, um grupo secreto que passa a combater Voldemort e seus seguidores. Enquanto isso Harry e seus amigos têm que aguentar a interferência do ministério em Hogwarts, simbolizada na professora Umbridge, além de treinarem escondidos para o confronto com o vilão. E há ainda o primeiro beijo de Harry. Ufa!
O elenco dos outros filmes foi mantido. Harry é vivido por Daniel Radcliffe, que vem sendo uma boa surpresa. Sua dupla de amigos continua a ser representada por Emma Watson como Hermione Granger, que começou bem a serie mas decai a cada filme, e Rupert Grint, cada vez mais a cara de seu personagem Ron Weasley. Já Katie Leung é insossa como o par romântico de Harry, Cho Chang. A estreante do elenco jovem é Evanna Lynch, uma grata surpresa no papel da avoada Luna Lovegood.

O elenco adulto continua forte, com nomes como Robbie Coltrane, Alan Rickman e Michel Gambon esbanjando competência em papeis secundários. Gary Oldman mantém seu Sirius Black mais sinistro e menos charmoso que o do livro e Ralph Fiennes felizmente faz um Voldemort menos afetado que o do filme anterior. As estréias ficam por conta de Helena Bonham Carter, perfeita como a assassina Bellatriz Lestrange e Imelda Staunton, que faz uma Umbridge tão irritante quanto a da versão escrita.

O novo comandante da aventura, o estreante inglês David Yates, repetiu o caminho feito pelos seus antecessores e fez um trabalho pouco autoral (exceção a Alfonso Cuarón no terceiro filme), destacando os efeitos especiais e tentando reproduzir ao máximo o livro. Como não é possível adaptá-lo por completo, Yates cortou as partes que julgou menos importante. Os fãs, é claro, vão chiar, principalmente quando pela ausência de cenas de Quadribol. Mas o que realmente faz falta é a crítica à imprensa presente na versão escrita e aqui relegada a segundo plano. O diretor preferiu destacar a perseguição política que o ministério da Magia empreende a Harry e seus amigos. Dois momentos merecem menção: os grandes cartazes de Cornélio Fudge, em clara alusão ao clássico 1984, e a cena em que Harry e seus aliados são torturados por desobedecer Umbridge, o momento mais maduro do longa.

No fim este quinto capítulo mantém o mesmo nível dos dois filmes anteriores. A história continua ficando mais sombria e madura, embora esteja longe de ter grande profundidade. Quem acompanha a série pelas telas deve gostar do resultado. Já para aqueles que lêem a saga no livro, o filme é um bom aperitivo enquanto se espera o lançamento do capitulo final, no próximo dia 21.


Harry Potter e a Ordem da Fênix (Harry Potter and the Order of the Phoenix)

EUA/Inglaterra, 2007

Direção: David Yates Elenco: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Robbie Coltrane, Alan Rickman, Michael Gambon, Gary Oldman e Ralph Fiennes. Duração: 135 min







4.7.07

Nada fantástico

Rafael Teixeira

Engana-se quem ainda acha que quadrinhos são assunto de crianças ou nerds sem vida social, cheios de espinhas na cara. Não só já passaram desses estereótipos arquétipos, como se tornaram uma indústria extremamente lucrativa. E difundida. Na era dos graphic novels (romances em quadrinhos) e dos HQs elevados a categoria de arte, é impossível desconsiderar a importância cultural desse nicho.

Diversão, sim. Mas mais que isso, os quadrinhos se tornaram um novo meio para discutir temas importantes através de metáforas e histórias inusitadas. O único problema é que geralmente a diversão acaba ofuscando um pouco dessa profundidade. O mesmo acontece com o novo movimento de adaptação de histórias em quadrinhos para a grande tela. Mostrou-se de fato, que transpor as hqs para a sétima arte pode potencializar o fator “ridículo” de suas histórias.

E aí entramos nas recorrentes exceções, como Homem-Aranha, X-Men na esfera de quadrinhos regulares, e V de Vingança e Sin City na área de Graphic Novels. Todas, aparentemente, conseguiram um certo sucesso em mostrar assuntos relevantes (“com grandes poderes vem grandes responsabilidades”, aceitar o que é diferente, lutar pela liberdade, etc) sem deixar de lado a ação e os colants coloridos. Só que a família de super-heróis mais famosa dos quadrinhos não se inclui nessa categoria.

Uma das mais bem sucedidas produções de Stan Lee, O Quarteto Fantástico conta a história de quatro pessoas que partem e uma viagem espacial e acabam sendo atingidos por uma tempestade solar e adquirem superpoderes como conseqüência desse acidente. Nas telonas, a família fantástica acabou ganhando um primeiro filme despretensioso, de baixo orçamento se comparado aos dos seus companheiros mutantes e do cabeça de teia. Poucos minutos de projeção para contar a história de Reed Richards (o Senhor Fantástico e sua habilidade elástica), Susan Storm (a Mulher Invisível com o poder de criar campos de força e invisibilidade), seu irmão Johnny Storm (Tocha Humana, com sua pirotecnia) e Bem Grimm (o Coisa, superforça e corpo rochoso) e a dificuldade de se manter uma família e uma vida normal com superpoderes... Além de toda a exposição da mídia. O drama, porém, não conseguiu emplacar, e o que marca mesmo é a comédia feita com o uso que cada um deles faz de seus poderes no dia-a-dia.

Em Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, a família de super-heróis retorna para enfrentar uma ameaça intergaláctica que destruirá a terra em oito dias. Para avisar de sua chegada, essa entidade envia seu arauto denominado pelos humanos de Surfista Prateado (corpo digital de Doug Jones e voz de Laurence Fishburn). Enquanto tentam lidar com todos esses problemas, os quatro tem de continuar convivendo com as conseqüências de serem um grupo de heróis conhecidos: Reed (Ioan Gruffudd) tenta se dedicar ao seu casamento com Sue (Jéssica Alba), enquanto essa entra em conflito com sua vida como heroína e a vontade de ter uma vida comum; Johnny Storm (Chris Evans) começa a sair de seu mundo de futilidades e pensa em buscar algo mais significante, enquanto Bem (Michael Chiklis) se torna um coadjuvante com papel humorístico e sentimental.

O filme tenta trazer algum drama para história desses personagens, que possuem tanta profundidade nas suas páginas nos quadrinhos, mas acaba sendo uma continuação do erro de seu precedente, e tudo que parece restar de notável são os efeitos especiais e a graça que Tim Story faz das habilidades de cada um. A carga dramática repousa, mesmo que fragilmente, no personagem e na história do Surfista Prateado, que vive a sina de um vilão forçado, que precisa tomar uma decisão drástica para se libertar.

Para os fãs, vale a pena notar a silhueta do capacete do Galactus (a tal entidade que vai destruir a Terra) no turbilhão espacial que está prestes a engolir o nosso planeta. Para aqueles que odeiam a Jéssica Alba, prestem atenção apenas no corpo da garota, porque dessa vez, além de uma atuação sofrível, a moça parece uma criança de oito anos interpretando o que deveria ser uma heroína de garra. Sem contar no seu cabelo mal escovado e mal tingido (mulheres, não reparem no couro cabeludo loiro). Para as feministas, relevem o fato de que Sue Storm, uma das heroínas mais conhecidas da Marvel, foi reduzida a uma “noivazilla” e quase a “dona de casa/tiazona/mulher fútil invisível”. Para os que odiaram a dança do Tobey Maguire no terceiro filme do Homem-Aranha, sintam vergonha alheia pela dança elástica e flexível do senhor fantástico logo no começo do longa. Para quem gosta de carros velozes, presenciem a estréia do “Fantasticarro”, veículo voador e desmontável, que teve seu design assinado pela Dodge. Para quem gosta do Quarteto, não assista ao filme. Para quem gosta de uma comédia com um pouco de ação, assista. Mas sem ação suficiente. E quem não gostar do filme, não se desespere. Ainda há chance da franquia se redimir num terceiro filme... ou não.

Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (Fantastic Four: Rise of the Silver Surfer)

EUA, 2007

Direção: Tim Story Elenco: Ioan Gruffudd, Jessica Alba, Chris Evans, Michael Chiklis, Julian McMahon, Kerry Washington, Andre Braugher, Doug Jones e Laurence Fishburne (voz). Duração: 92 min

Vidas Vazias

Rick Hiraoka


Cão Sem Dono não tem começo, nem fim, mas o meio é mais do que suficiente.

Ciro (Júlio Andrade) é um tradutor de obras russas desempregado que vive num apartamento bagunçado, quase sem nenhuma estrutura. Marcela (Tainá Muller) é uma modelo em início de carreira que sonha com uma vida de viagens e glamour. Juntos, eles formam um improvável casal que mantém um relacionamento que se sustenta pelo sexo.

Com essa premissa clichê, os diretores Beto Brant e Renato Ciasca
conseguem fazer um interessante retrato das relações modernas. Ciro e Marcela são a perfeita representação da "coisificação" dos envolvimentos amorosos. Tudo é extremamente imediatista. O único objetivo a ser atingido é o prazer. Ambos fogem de qualquer intimidade que possa ir além dos limites da cama. Isso fica evidenciado nos diálogos aparentemente superficiais, mas que expressam o receio de se entregar a um sentimento maior, capaz de dominá-los e submetê-los, interferindo, assim, na individualidade que tanto preservam.

Cão Sem Dono é uma obra diferente dos demais filmes brasileiros, que exageram no sexo sem nenhuma contextualização, assim como nos palavrões. Os diretores utilizam a falta de recurso a favor do filme. A iluminação é precária, quase inexistente, porém ela não prejudica o entendimento da história, pelo contrário, evidencia as situações dramáticas vividas pelas personagens. Não houve filmagens em estúdio, tudo foi gravado em locações, o que deu ao filme um tom realista, lembrando as películas européias dos diretores signatários do Dogma.

A maior falha de Cão Sem Dono aconteceu na escalação do elenco. A não contratação de atores mais conhecidos ou experientes foi, de fato, uma decisão corajosa, mas que se revelou arriscada. Tainá Muller está convincente como Marcela, já Júlio Andrade se mostra por vezes desconfortável perante as câmeras (assim como o restante do elenco). O ator errou na construção de Ciro, acentuando a apatia da personagem ao invés de seu lado confuso e indeciso.

Cão Sem Dono é um filme intimista, retratando uma geração cuja principal característica é a dúvida. Ciro não sabe o quer. Marcela, em oposição, já tem seus planos definidos, embora não saiba o que fazer para realizá-los. Os dois vagam pelo mundo, se procurando, se conhecendo, se satisfazendo, buscando motivos para abandonar essa vida de cão sem dono.


Cão sem Dono
Brasil, 2007
Direção:
Beto Brant e Renato Ciasca Elenco: Júlio Andrade, Tainá Muller, Márcio Contreras e Sandra Possani Duração: 82 min