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Como (não) fazer um filme

Saulo Yassuda

Narrações em off, mais protagonista masculino, jovem, inteligente e tímido que faz de tudo para conquistar a mulher amada. Esse esquema, tão consagrado nos longas do diretor Jorge Furtado, não lembra em nada Saneamento Básico, seu novo filme.

Furtado sai dos offs shakespearianos e bebe da comédia dell’arte nesse seu novo longa, principalmente no que se diz respeito à construção das personagens. Elas conseguem se encaixar nos “tipos” do teatro italiano e montar uma das comédias brasileiras mais engraçadas dos últimos anos.

Antes de o filme começar propriamente, ouve-se a característica voz de Fernanda Torres ressoando pela sala, reclamando (o que em muito lembra sua personagem de Os Normais): “Vamos começar, então? Melhor começar... Posso começar?”. A falação de Fernanda apenas cessa quando o longa se inicia, com a imagem de uma bucólica vila no interior do Rio Grande do Sul.

Lá, a comissão de moradores discute sobre um sério problema no esgoto. Eles precisam de verba para fazer uma obra que tape o fosso e acabe com o mau-cheiro da comunidade.

Marina (Torres), mulher ativa e politicamente incorreta, vai com seu marido Joaquim (Wagner Moura), à prefeitura pedir verba para a obra. O único dinheiro que a prefeitura possui, porém, são 10 mil reais destinados à produção de um curta-metragem que teve seu projeto abandonado.

A secretária insiste em que Marina pegue a quantia, principalmente para que o dinheiro “não volte à Brasília”. Marina acaba aceitando. Pega os 10 mil reais para produção do filme – com a intenção, claro, de usar a maior parte da verba na obra do esgoto.


Junto do marido, da irmã Silene (Camila Pitanga) e do cunhado Fabrício (Bruno Garcia), inicia então a produção do vídeo. Depois de uma série de embaraços, o filme produzido por eles se torna um filme “de monstro” (“O monstro do fosso”), com uma produção bastante confusa, precária e cheia de deliciosas discussões entre seus realizadores.
Com o correr do tempo, eles se envolvem tanto no vídeo – contando com a ajuda do hilário personagem de Lázaro Ramos – erram, aprendem, se empenham e acabam gastando bem mais do que imaginavam. Numa discussão metalingüística, Furtado faz referência, com muito bom humor, à precariedade muitas vezes presente no cinema brasileiro.

Com diálogos realistas e bem construídos, que falam bastante do cotidiano, e piadas que se distribuem pelo filme todo, o diretor consegue fazer um longa muito bem amarrado, e tem o poder de entremear, junto com toda a comédia, toques melancólicos. As deliciosas discussões entre o casal Marina-Joaquim e entre os amigos italianos Otaviano (Paulo José), pai de Marina, e Antônio (Tonico Pereira), vão do hilário ao sentimental, numa espécie de mistura de amor e ódio.

E talvez uma relação de amor e ódio pela arte – e, em particular, pelo cinema – é como pode ser definido todo o Saneamento Básico.

Saneamento Básico, O Filme
Brasil, 2007
Direção: Jorge Furtado Elenco: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Paulo José e Tonico Pereira. Duração: 112 min
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