Rodolfo Mendes
Diz a história que quando o homem decidiu construir uma torre que atingisse os céus para assim se equiparar a Deus, Ele, como forma de punição ante a afronta, criou as diversas línguas do mundo para que os homens não entendessem o que cada um tentava falar ao outro. Ou seja, a punição do homem foi a barreira do não-diálogo, mesmo para aquele com que você se sinta próximo ou conheça. É essa a idéia que norteia e sistematiza, o tempo todo, o plano de fundo do filme Babel.O filme entra no quesito, mas não na onda, dos filmes enredados por historietas de diferentes nichos de personagens amarradas que, de alguma forma, se inter-relacionam, igualmente como acontece no filme Crash - No Limite, o ganhador do Oscar do ano passado. E esse é um dos pontos que contam a favor da argumentação (apesar de para alguns parecer repetição) do favoritismo de Babel ao premio mais famoso do cinema, mas isso não é, nem de longe, o maior de seus méritos.
As idéias de Babel vieram da conhecida e bem sucedida dupla composta pelo diretor González Inárritu e o roteirista Guillermo Arriaga. Foram eles os responsáveis pela popularização do cinema de narrativa não linear nos últimos anos com seus excelentes Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003). Muitos prêmios e milhões de dólares depois (que ajudaram a conseguir o elenco de primeira necessário para esse terceiro trabalho), Babel aparece como a terceira parte da tetralogia idealizada por Arriaga que já declarou que a parte que falta, o início (logicamente, não é uma tetralogia linear...), será terminada no filme Cielo Abierto (sem data e nem previsão por enquanto); entretanto, que fique claro que dificilmente a dupla voltará ao batente junta: eles romperam durante as filmagens de Babel e, segundo declaração do próprio roteirista: "não tem mais volta".
Discussão de bastidores à parte, Babel merece o burburinho que causou entre os
críticos. O filme, como já dito, narra a história em núcleos separados de personagens com algum elo direto ou indireto entre si; os núcleos são quatro e falados em cinco línguas diferentes (inglês, espanhol, árabe, japonês e a linguagem dos sinais). É claro, não se trata apenas do problema de comunicação entre línguas, mas também entre as culturas advindas e produtoras das mesmas. Entretanto, as peculiaridades de cada cultura são de pouca influência no transcorrer do destino dos personagens, o que vale o grande mote é o problema da comunicação entre o mundo externa à sua língua materna e dentro dela na mesma medida.
Há a família de norte-americanos ricos, mas com o casamento em crise; a família de mexicanos, hostilizada pelos norte-americanos e entre si; a família marroquina, presa a suas tradições e limitações de uma vida isolada; e a família de japoneses, que entre seus integrantes possui uma adolescente surda-muda. Apesar de todas diferenças culturais e idiomáticas, o que o filme procura transparecer é a forma mais básica do ser humano. O intuito é o de dar aos personagens uma maior humanidade para que, mesmo alguém que não entenda nenhuma das cinco línguas trabalhadas no filme, consiga captar a transcendência de culturas, os valores morais tratados são os mais claros possíveis.
Nas palavras do próprio Arriaga, "se há algo que a globalização nos deixou ver é que nós, seres humanos, temos valores muito básicos". Dito e feito: amor; morte, medo, solidão, arrependimento, coincidências, acaso, vazio...de fato, é possível construir a mesmíssima história dentro dos mesmos plantéis culturais, apenas trocando a situação de cada um da trama, e o valor humano se faz presente na condição do único ser vivo consciente que procura justificar sua própria reação instintiva.
A narrativa pode já não causar tanto impacto, mas foi construída com exímio esmero (timing e encaixe perfeitos na sincronia com a trilha sonora); os dilemas envolvidos podem não ser tão inovadores (afinal, ser humano é sempre ser humano), mas não há como não perceber como eles se constroem e se interdependem hoje como nunca antes na história da humanidade. Bem, talvez essa seja a intenção por trás do filme, afinal, está tudo aí, na cara e na pele de todo mundo, o homem não deixa de ser um só, apenas não dialoga e não compreende quem é capaz de reconhecer sua própria condição.
Babel
EUA/México, 2006
Direção: Alejandro González Iñárritu Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, Rinko Kikuchi e Mohamed Akhzam Duração: 142 min.